Frances (Frances) – Eua, 1982 / Direção: Graeme Clifford
Com: Jessica Lange, Sam Shepard, Kim Stanley

Hollywood adora reviver o passado de algumas estrelas (famosas ou não) que tiveram uma vida conturbada. Observar de perto o cotidiano sem glamour e as relações familiares destas deusas da tela já rendeu filmes bem interessantes, mas nenhum com tanto entusiasmo sádico como Frances (1982). Embora a direção acadêmica do insosso Graeme Clifford ponha quase tudo a perder doutrinando os princípios básicos do bem e do mal (apresentando os personagens das instituições como asquerosos, odientos e arrogantes), a história desta desconhecida atriz tem força suficiente para causar indignação em qualquer espectador.

Clifford mantém distância dos fatos e apenas registra os pileques e as crises histéricas de Frances sem se comprometer com o contexto geral e deixando de lado uma boa oportunidade de realizar uma crítica mais contundente ao terrível establishment hollywoodiano: afinal quem não se encaixava no padrão desejado era literalmente esmagado pelo sistema (registrado numa sequência onde o psiquiatra apaga um cigarro deixado acesso por Frances numa de suas sessões). A câmera de Clifford posiciona-se sempre em ângulos que relatam alguma coisa (a posição da mãe na escada) e a direção de arte espalha, no campo visual, ícones que apontam para algum detalhe dos personagens. Mas isso são só detalhes técnicos que emolduram uma história trágica e triste de consequencias pessoais bem catastróficas.

A vida de Frances Farmer não foi nada fácil. Criada sob o manto protetor de uma mãe amargurada, numa cidade interiorana norte americana, a atriz jamais se encaixou no padrão adotado por Hollywood que priorizava muito mais o glamour das louras platinadas de curvas sinuosas do que o talento. Contratada pela Paramount para produções baratas ela atingiu uma rápida ascensão no mundo do cinema. Na verdade ela era só uma entre milhares de garotas dos anos 30 que almejavam um lugar no Olimpo de Hollywood.
Dona de um talento nato, ela queria ser reconhecida por suas aptidões artísticas e se arriscou em produções teatrais independentes onde produtores apenas a enxergavam como uma oportunidade de patrocínio (numa excursão eles aplicaram uma espécie de golpe, substituindo-a por outra atriz com mais recursos financeiros).

Espelhada na figura materna (o pai sempre foi ausente) e sem muita estrutura emocional, Frances Farmer foi uma autêntica outsider. Preocupada com as questões sociais (numa época de grande recessão econômica), fumante inveterada e dona de um espírito livre e inquieta, ela teve sua vida transformada num verdadeiro inferno com várias passagens pelas temidas instituições psiquiátricas de Los Angeles dos anos 30/40 (muito bem retratada em A Troca de Clint Eastwood).

Jessica Lange, em seu sexto grande papel no cinema e indicada aos Oscar de melhor atriz é um dos trunfos deste filme. A atriz transmite, através de seu olhar espremido, um enorme sarcasmo e um extraordinário menosprezo pela fama em contraponto com o fascínio experimentado pela sua mãe caipira (vivida pela correta Kim Stanley, também indicada ao Oscar no papel de atriz coadjuvante) à medida que as duas entram em contato com o sucesso e a fama.

A estranha relação entre estas duas mulheres alcança a magnitude na segunda parte da narrativa quando Frances entra em conflito com seu futuro. Para fugir dos tratamentos a base de eletros choques e injeções de insulina realizadas nas apavorantes clínicas, Frances aceita transformar-se em uma prisioneira de sua mãe tomando a forma de uma marionete patética, com os cabelos em coque, somente respondendo ao comando da voz da rancorosa tutora. Sam Sheppard é Harry o amigo apaixonado que a salva das situações que se mete. O personagem (obviamente fictício) é uma espécie de grilo falante e atua como a sã consciência que Frances nunca quis adotar.

O enredo preocupa-se fundamentalmente em contar a trajetória da atriz desde sua adolescência até a fase adulta após uma lobotomia que nunca, de fato, foi comprovada. Mas mesmo sem nenhuma audácia técnica, Frances é um belo e triste filme que fala diretamente sobre a dificuldade do individualismo num meio onde quem dita o seu comportamento são os outros.

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