O pagador de Promessas – Direção: Anselmo Duarte – Brasil 1962 / Com Leonardo Villar, Glória Menezes, Dionísio Azevedo, Othon Bastos, Norma Bengell, Geraldo Del-Rey

Nem sempre textos de autores consagrados são adaptados para a tela com a devida importância. Mas, em O Pagador de Promessas (de Dias Gomes), o diretor Anselmo Duarte conseguiu atingir a dignidade que a peça pedia. Apesar da estrutura ingênua e simplista, o filme é, em sua essência, uma crítica feroz aos sistemas que nos circundam, entre eles, a religião com seus dogmas antiquados, a política com suas intrigas e a ansiedade da imprensa por algo sensacionalista. O texto fala do que convém ao ser humano pois Dias Gomes repete, incessantemente, a dicotomia entre a fé, a religião e a necessidade egoísta de apego.

Zé do Burro, um ingênuo camponês, e sua esposa, Rosa, fazem uma longa peregrinação até a cidade de Salvador, carregando uma pesada cruz como pagamento de uma promessa feita à Santa Bárbara por ter salvo seu burro de estimação da morte. Ao chegarem à cidade a igreja encontra-se fechada e Zé e Rosa esperam até o amanhecer. O objetivo da promessa era entrar com a cruz, na igreja até o altar.
A partir daí, o autor apresenta vários tipos (o cafetão, a prostituta, o repentista de rua, o padre, etc) que irão afetar a trajetória de Zé, culminando numa tragédia.
Ao fazer a adaptação para o cinema, Anselmo além de respeitar a complexidade da idéia central acrescenta elementos visuais de grande impacto. Ele analisa como o sincretismo brasileiro é vasto e expõe isso na abertura e no encerramento do filme, quando uma variedade de instrumentos afros brasileiros (berimbaus e afoxés) é incorporada ao badalar dos sinos (que é um instrumento católico).

As dificuldades da peregrinação do Zé são sugeridas através das rápidas e econômicas cenas (chão ressecado, lama, chuva) apresentadas com os letreiros, ao som da majestosa e pontual trilha de Gabriel Migliori. Uma enorme coluna de fumaça negra emoldura o casal, em sua jornada, sugerindo uma tragédia de proporções bíblicas.
O primeiro contraste aparece quando Zé, já em Salvador, passa por um barzinho, onde algumas pessoas zombam do seu sacrifício. O recado está dado: A sociedade não está preparada para entender o sacrifício da ingenuidade. Começa então o pesadelo.
Anselmo movimenta a câmera como um espectador espiritual já que o filme fala basicamente de crença e fé. As várias tomadas de cima para baixo refletem este “olhar de Deus” sobre os personagens (reparem na cena quando o padre assiste a multidão enlouquecida na torre da igreja e quando Zé transforma-se em Cristo crucificado). O inverso também é percebido quando Zé conversa com as “autoridades”. O olhar humilde é refletido pelas tomadas de baixo para cima criando enquadramentos belíssimos. A edição de Carlos Coimbra é outro destaque. Ele dá vida á estátua de Santa Bárbara ao fundi-la com o rosto maravilhado de Zé, criando assim um movimento de grande beleza.

Anselmo mostrou ao mundo, um Brasil diferente com uma linguagem bem universal que fala dos costumes de nosso povo. É folcloricamente brasileiro, mas não é limitado. Não foi à toa que o filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 1962 desbancando Buñuel e outros mestres.

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