Veludo Azul (Blue Velvet)/ Direção: David Lynch/ Com: Isabella Rossellini, Kyle MacLachlan, Laura Dern e Dennis Hopper /Eua 1986
Veludo Azul (1986) foi, basicamente, o primeiro trabalho autoral de maior amplitude comercial que David Lynch apresentou após duas produções feitas sob encomenda (o interessantíssimo O Homem Elefante 1980 – e o fracassado e confuso Duna – 1984).

 

O roteiro, escrito pelo próprio Lynch, explora uma estrutura extravagante com todos os maneirismos de um artesão profissional, dissecando o estilo interiorano da classe média norte americana repleto de ironias.

Na trama, Jeffrey (Kyle MacLachlan), um jovem rapaz obcecado por mistérios, ao encontrar uma orelha humana em decomposição, decide explorar, por conta própria, um suposto seqüestro do filho de Dorothy (Isabella Rossellini) uma cantora de cabaré com instintos bem submissos, contando com a ajuda da filha do detetive da cidade, a doce Sandy (Laura Dern). Ao confrontar-se com um submundo sombrio e dark, que envolve drogas, depravações e assassinatos, Jeffrey põe em risco sua vida perdendo o controle dos acontecimentos.
Os personagens esquisitos e bizarros vão sendo apresentados sem nenhuma parcimônia, uma vez que Lynch acredita que as imagens têm muito mais poder do que simples palavras (que neste caso elas são substituídas por singelas canções dos anos 50/60). Por exemplo: Quando Ben (Dean Stockweel, um traficante de aparência estranhamente suave dubla In Dreams, o espectador consegue ter a noção completa da motivação do personagem. O mesmo acontece quando ouvimos a melosa canção Blue Velvet cantada pela amedrontada Dorothy. As canções passam, então, a representar um personagem da trama.

 

Avec: Kyle Maclachlan, Isabella Rossellini, Dennis Hopper, Dean Stockwell, Laura Dern. Un film de: David Lynch (USA – 1986)

Ao longo da narrativa, Lynch demonstra seu impressionante domínio cênico, impregnando as imagens com um virtuosismo sublime para que o público tire suas próprias conclusões. Na sequencia inicial, por exemplo, Mr. Beaumont tem um ataque cardíaco enquanto rega seu jardim. Logo em seguida, o personagem cai na grama com a mangueira na mão na altura de seu pênis quando um cachorro aparece e lambe o jato d’água. Nesta abertura, o diretor quer mostrar que as aparências enganam e que os limites da decência podem, tranquilamente, ser transgredidos de um momento para o outro. Estas dicas visuais são elaboradas pela câmera de Lynch afim do espectador conseguir montar seu próprio quebra cabeças e elaborar um sentido.

O estilo generoso de David Lynch serpenteia toda a narrativa e suas predileções por determinados símbolos estão presentes como nunca.
A cantora Dorothy é uma alusão à heroína de O Mágico de Oz (filme que está quase sempre presente nas obras de Lynch) que fica praticamente presa a uma realidade como um pesadelo sombrio. Seu principal objetivo é resgatar seu filho pequeno para enfim voltar para seu lar. Se o espectador prestar atenção nos mínimos detalhes poderá perceber que até os sapatos vermelhos de Dorothy são iguais aos usados por Judy Garland no filme de 1939.

 


A fotografia de Frederick Elmes (Wild at Heart) ressalta as suaves texturas da bucólica cidade interiorana em contraste com a quase ausência de luz nas cenas mais fortes e obscenas, o que transforma o filme numa representação visual de magnífica beleza destacando os sombrios detalhes do mundo obscuro que Jeffrey encontra. A música de Ângelo Badalamenti tem um grande apelo emocional destacando as características de cada personagem. Para Sandy (Laura Dern – a musa de David Lynch) ele opta por uma composição musical mais sublime (Misteries of Love) mesclando violinos com um divino coral angelical, ressaltando a meiguice e doçura da personagem.

Outro detalhe que merece consideração são os sonhos dos personagens de Lynch.
Quase todos sonham, fantasiam ou estimulam o pensamento (como Frank Booth – Dennis Hooper – que inala gás hélio para ter prazer ou lembrar-se de sua infância). O interessante é perceber que este recurso é usado não como um subterfúgio para fugir da dura realidade da história, mas sim como um importante meio de informação para interligar as sequencias, resultando numa série de devaneios de extraordinária beleza visual, como na sequencia final do pintassilgo com um besouro (ou barata) no bico.
Ali, o diretor indica que o pesadelo havia acabado e que o sublime (ou o mais alto = pintassilgo) dominou o funesto (ou mais baixo de todos = besouros ou baratas).

Eu poderia ficar divagando sobre os inúmeros exemplos que as imagens deste maravilhoso filme transmitem, pois a simbologia de Veludo Azul é infinita, mas posso resumir em apenas dois conceitos: Veludo Azul é o encontro da magia da Música com a suavidade de uma Textura azul (e que às vezes resultam em asperezas e pesadelos).

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