A Doce Vida (La Dolce Vita) / Itália, 1960. 174 min. / Direção: Federico Fellini / Com: Marcelo Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimeé

A Doce Vida (La Dolce Vita, 1960) de Federico Fellini foi vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1960 e do Oscar de Melhor Figurino em 1962 e primeira colaboração de Fellini e Marcelo Mastroianni, seu alter ego cinematográfico.

Esta sofisticada crônica de costumes é um dos trabalhos mais expressivos do diretor e apesar de ser filmado nas ruas e subúrbios de Roma, utilizando pessoas comuns como extras, não é considerado um representante do movimento neo-realista.

O crítico de cinema Roger Ebert uma vez disse: “É verdade que os filmes não mudam. O que muda é o ponto de vista do espectador”. Não é o caso desta obra que, mesmo após 50 anos permanece violentamente atual e onde o espectador de qualquer geração não encontrará dificuldades para identificar a abordagem de interesses e o desfile de decadentes modernos. A expressão “paparazzi” (sobrenome de um dos fotógrafos sensacionalista) nasceu neste filme, antecipando o frenético assédio pelo sensacionalismo, tão comum nos dias de hoje.

Através de um fio condutor – Marcelo Rubini (Marcelo Mastroianni), um repórter bon vivant freqüentador da boêmia romana, arquétipo do macho italiano e testemunha passiva de uma sociedade em transformação – o filme analisa diversos comportamentos sociais, filosofando sobre questões que envolvem manipulação da fé, banalização artística, luxúria, decadência da aristocracia, abandono de ideais, prostituição, ciúme e sexo.

A abordagem destes elementos não é nada sutil, embora o filme transborde ironia e escancare o cinismo e os pudores de uma sociedade mundana através de personagens hedonistas e desprezíveis que julgam ter alcançado a vida perfeita.

As simbologias invadem a tela e desde a primeira imagem, quando uma estátua de Cristo sobrevoa Roma como se perdoasse os habitantes por viverem em um eterno desejo egoísta, o espectador acompanha, junto com Marcelo, este processo de decadência social degustando aos poucos, o doce sabor amargo da depravação.

La Dolce Vita é estruturado em segmentos ascendentes e descendentes que exploram a relação entre o sagrado e o profano fazendo uma ponte com os mais baixos instintos humanos. Uma incômoda e pessimista aura religiosa está presente em todas as sequências, mas Fellini termina seu filme com uma possibilidade oca de esperança, quando Marcello não consegue ouvir ,em uma praia, o chamado de uma inocente ninfeta.

É nesta exuberante e vibrante selva, onde desfilam celebridades loucas e tipos raros, que Fellini faz um doloroso brinde a Roma e apresenta um dos mais audaciosos e pungentes filmes de sua carreira.

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Zeca Seabra – Cinéfilo carioca com formação em Comunicação Social pela Puc em 1980 e em Hotelaria pela Estácio de Sá em 1983. A partir de 1995 participou de vários cursos e em 2006 começou escrevendo textos críticos para o blog paulista “Cinema com Pipoca”, um dos primeiros a tratar do assunto. Desde 2010 participa de debates e encontros com textos já publicados em catálogos de mostras especializadas. Em 2016 participou da oficina crítica cinematográfica com o renomado crítico francês Jean-Michel Frodon. É membro da ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro) desde 2013 e crítico do site Almanaque Virtual.

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