Contra Corrente (2011)

Roteiro e Direção: Juan Leon Fuentes

Co-produção Peru/Colômbia/França/Alemanha

 

O filme peruano Contracorrente, a princípio, parece uma história comum: um pescador casado, respeitado na pequena comunidade onde vive, e prestes a ser pai, mantém em segredo seu caso com outro homem. Entretanto, o roteiro foge do banal ao utilizar elementos sobrenaturais, que nos remetem à uma espécie de versão LGBT de “Dona Flor e seus dois maridos” e transformam esse drama/romance em uma ótima surpresa.

Enquanto Santiago, por conta de sua sexualidade, é motivo de chacota para os moradores preconceituosos da ilha, Miguel não admite nem para si mesmo a possibilidade de ser gay. Em determinado momento, chega a dizer para o amante que não é como ele, logo após terem feito amor. Afinal, Miguel, é praticamente o estereótipo do “macho latino”: gosta de tomar cerveja com os amigos, jogar futebol e dá valor às tradições e à religião. Ele, entretanto, não é apresentando como um vilão ou um ser caricato e sim como um homem simples, que tem dificuldade em aceitar sua própria sexualidade. Ao mesmo tempo, é um personagem interessante devido à sua complexidade: ele se envolve com Santiago, mas, também é carinhoso com Mariela, a esposa grávida, com quem vive em harmonia. Curiosamente, à sua maneira, pode-se até dizer, que ama ambos os parceiros e é leal ao sentimento que nutre por eles.

Mariela e Santiago também cativam, graças à ausência de maniqueísmo. Ele é um homem sensível e culto, um pintor/fotografo, que veio para ilha à trabalho e acabou vivendo uma paixão, que o prendeu naquele local, onde é jocosamente apelidado de “príncipe encantado”. Ela, uma jovem dona de casa, feliz com o casamento e com a perspectiva de ser mãe, que sente curiosidade pelas histórias que contam sobre o forasteiro, sem sequer desconfiar do papel que seu marido ocupa na vida do homem. É claro que as coisas irão mudar e, mesmo sem querer, esses três irão sofrer e se magoar mutuamente. Porém, a originalidade da trama está no fato de que, permeando o triângulo amoroso, temos o realismo fantástico, embalado pelas crendices locais. Logo nas primeiras cenas, vemos um morto ser “encomendado” e a seguir jogado ao mar, com a finalidade de que sua alma encontre o repouso eterno e se livre da triste sina de vagar entre os vivos. É essa ideia que conduz a narrativa.

O encanto do filme, está, sobretudo, no momento em que Miguel, graças à uma fatalidade do destino, consegue viver livremente sua bissexualidade. Uma das cenas mais doces e divertidas é justamente quando ele, todo feliz, passeia com Santiago em público, pela primeira vez sem precisar se preocupar com julgamentos alheios. Mas, é claro que isso não vai durar para sempre.

Os três protagonistas ganham vida através das ótimas performances dos atores, Cristian Mercado (Miguel), Tatiana Astengo (Mariela) e Manolo Cadorna (Santiago), que emprestam humanidade para seus personagens e muitas vezes dizem tudo no olhar, sem precisar de palavras.  Vale elogiar a direção segura do diretor peruano estreante Juan Fuentes Leon, que também assina o roteiro.  A fotografia do colombiano Mauricio Vidal é de encher os olhos e destaca as belezas naturais da pouco conhecida costa peruana. Já a trilha sonora, de Selma Mutal, é simplesmente deliciosa. Sendo assim, é compreensível que o longa tenha ganho prêmios importantes como o Prêmio de Público do Sundance Festival e do Festival de cinema de Miami e sido o representante do Peru para concorrer à edição do Oscar 2011, ainda que não tenha conquistado a vaga.

Há cenas, digamos, bastante “calientes”, que talvez possam ferir certas suscetibilidades, principalmente de quem, em pleno 2018, ainda se choca com um simples beijo gay na novela da tarde. Porém, nada nunca é gratuito ou vulgar, as cenas servem à trama e são sempre muito delicadas.

Uma crítica comum aos filmes de temática LGBT é que são sempre são trágicos em sua essência.  Não acredito que esse seja o caso de Contracorrente. É claro que por se tratar de um drama, o longa  pode sim levar os mais sensíveis às lágrimas. Mas está longe de ser apenas triste. Pelo contrário, há uma certa esperança no desfecho, mesmo que a mensagem seja a de que, por vezes, é preciso nadar contra a corrente para ser honesto consigo mesmo e com quem se ama. Trata-se, acima de tudo, uma trama envolvente, terna e extremamente bem contada.

 

Elaine Azevedo irá dividir a coluna drama com Raquel Duarte Garcia e

Juliana Meneses. Além de dividir a coluna teen com Andrea Cursino.

 

  • Avaliação Final
5

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