AS CINEASTAS DO FANTÁSTICO. Por Filippo Pitanga
Hoje vamos saber um pouco mais sobre as pioneiras brasileiras que já experimentavam com arquétipos e linguagem do Cinema Fantástico na primeira metade do século XX.
E vamos não apenas com uma, e sim 3 de uma só vez! São elas as pioneiras Cleo de Verberena, Gilda de Abreu e Carmen Santos.
Cleo de Verberena (1909 – 1972, SP)
Precursora das precursoras, Cleo é a primeira mulher no Brasil a ter dirigido um longa-metragem. Ela autofinanciou sua primeira realização, tendo sido, portanto, produtora, roteirista, diretora e atriz de “O mistério do dominó preto”, uma obra que investia no cinema de gênero, de mistério e assassinato, desvelando as hipocrisias da sociedade através de uma personagem feminina que aparecia morta no início da trama, colocando em xeque todos os homens à sua volta como potenciais suspeitos a serem investigados (o filme, infelizmente, encontra-se perdido na história). Para realizar este marco, Cleo e o marido, que recebera uma herança, vendem joias e propriedades, importam equipamentos da França, e montam a `Épica Film`. Vale citar que o filme veio a falir o casal que, infelizmente, não conseguiu continuar no meio cinematográfico com o lampejo que demonstraram com este início meteórico. Um dado curioso na contemporaneidade é dar o reconhecimento à grande cineasta precursora em ter inspirado a batizar o site de mulheres críticas de cinema denominado “Verberenas” (para quem não conhece ainda, familiarize-se!). Fonte de dados históricos: ANA PESSOA: Por trás das câmeras, 1989; e Cineclube Delas (à época, Samantha Brasil e Camila Vieira).
Gilda de Abreu (1904 – 1979, RJ)
Em 1937, Gilda de Abreu já havia feito o filme “Alegria”, que restou inacabado e destruído. Porém, foi em 1946 que Gilda dirigiu seu longa-metragem mais famoso, “O ébrio”, no qual estrelava o cantor popular Vicente Celestino, seu marido. Em 1949, escreveu o roteiro e dirigiu o filme “Pinguinho de gente” e em 1951 escreveu o roteiro, dirigiu e interpretou o papel principal do filme “Coração materno”. Vale citar que a diretora foi precursora não apenas no uso do melodrama num período ainda dominado pelas chanchadas, como usou de arquétipos do cinema fantástico para debater a psique humana na tragédia de seus personagens, inclusive com efeitos especiais de vanguarda. Um ótimo exemplo, nas sequências mais marcantes para a época, o protagonista de “O Ébrio”, que enfrentava questões de alcoolismo, começa a conversar consigo mesmo no espelho, numa divisão de tela em que a diretora conseguiu duplicar a atuação do ator, ao mesmo tempo em que dividia a voz da consciência do personagem entre influências positivas e negativas. Seu personagem é tentado a conseguir tudo o que sempre sonhou (e temeu) na vida só para se ver colocando a si próprio na beira do precipício de perder tudo, como um “Fausto” de Goethe, sobre a clássica história da pessoa que vende a alma para o Diabo a ver se pode enfrentar seus próprios pecados para não perder o que lhe foi presenteado pelo Belzebu… (uma obra que seria revisitada no cinema brasileiro mais vezes nas mãos de outros realizadores igualmente notáveis como Carlão Reichenbach em “Filme Demência” de 1987).
Carmen Santos (1904 – 1952, RJ)
Atriz, produtora, roteirista, cineasta e empresária, desafiou o machismo e o conservadorismo característicos de sua época, inclusive treinando inúmeros cineastas que viriam a se tornar famosos após trabalharem com ela. Tudo começou em 1929, quando aceitou protagonizar o filme “Sangue Mineiro” e, a partir de então, manteve-se parceira de importantes nomes do cinema brasileiro clássico, como os diretores Humberto Mauro, Adhemar Gonzaga e Mário Peixoto (autor do célebre filme “Limite”). Carmen fundou sua produtora, que, a partir de 1934/1935, veio a se chamar Brasil Vita Filmes, um estúdio fundado pela atriz para o qual convidaria Humberto Mauro para trabalhar com ela, ora como atriz, ora como produtora, uma vez que a própria já havia estrelado vários de seus filmes. Na nova casa, por exemplo, Humberto fez “Favela dos Meus Amores” (1935) e “Cidade Mulher” (1936). Mas foi com o filme épico “Inconfidência Mineira” (1948), de porte jamais visto para a época, que Carmen, para além de atriz, também foi diretora e produtora. Inclusive, como o filme demorou anos para ficar pronto, envolveu muita gente na produção que trabalhou aprendendo com Carmen, inclusive gente que viria a ficar famosa depois na Atlântida Cinematográfica, como Watson Macedo. Infelizmente, o filme é considerado perdido no tempo devido a inúmeros fatores que nossos arquivos históricos enfrentam na preservação de nossa memória cultural. Fonte dos dados históricos: ANA PESSOA: “Sob a luz das estrelas: Relembrar Carmen Santos“, 2002; e Cineclube Delas (à época, Samantha Brasil e Camila Vieira).
Confira alguns dos filmes supracitados:
“O Ébrio” de Gilda de Abreu
“Limite” de Mario Peixoto (com Gilda de Abreu)
Filippo Pitanga é advogado, jornalista, curador e crítico de cinema, mestrando pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor na Academia Internacional de Cinema RJ, Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro – ACCRJ.

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