Para destacar outros filmes da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, agora sobre questões afirmativas, vale ressaltar a representação e representatividade feminina com força coletiva deste dolorosamente sensível “Mamãe, Mamãe, Mamãe” da argentina Sol Berruezo Pichon-Rivière. Também presente na repescagem da Mostra até o dia 08 de novembro, o filme fala sobre uma devastadora perda em tenra idade em meio a uma família apenas composta por mulheres.

Num belíssimo filme, com algumas cenas inesquecíveis, temos uma estreia em longas-metragens por parte da diretora que já demonstra um talento bastante promissor. Acompanhamos o ponto de vista de uma pré-adolescente que não parece se animar com nenhuma das investidas de suas primas bastante encorajadoras num cenário cabisbaixo. A princípio, todo esse tom lúdico só é cortado raramente por adultos quando vemos a mãe da jovem protagonista ser consolada pela tia, numa forte amizade entre as personagens femininas, seja em núcleos menores e interpessoais, ou no conjunto geral e familiar. Esta rede de apoio entre as mulheres é uma força presente não apenas no roteiro, porém na próprio construção de imagens, com uma finíssima sensação de apoio e amparo.

Cenas como o ritual da primeira menstruação ou do boneco de pelúcia arremessado pela filha da vizinha são provas de que a diretora Sol Berruezo possui grande olhar de materialização em imagens da fugacidade do momento, sem necessidade de palavras ou enunciados, apenas de sensações. A comunicação entre os símbolos do filme, como a piscine, que vai cambiando de sentidos mais complexos e contraditórios, conforma é o único espaço pelo qual sequer passam alguns raros figurantes masculinos, vai demonstrando que mesmo uma simbologia aparentemente familiar pode se tornar ameaçadora neste mundo de adultos e decepções. Onde estas crianças podem se escorar para caminhar na direção do futuro senão umas nas outras, a formarem as adultas de si mesmas no amanhã?

Sem necessidade de arroubos nem catarses óbvias, o filme é todo composto por sutilezas até seu final. Alegorias e parábolas dão conta da mais atroz perda que uma pessoa pode passar, mas que ainda assim iremos nos restringir a não mencionar aqui e manter a surpresa sem spoilers. Basta dizer que o filme trabalha muito bem as idas e vindas no tempo presente e passado, bem como a mistura de lembranças e imaginação, como a cena da capa esvoaçante ao redor da fogueira indígena. São todas alegorias da fabulação que dão conta do que não está aparente, apenas no ar. Mas este ar possui uma carga dramática densa bastante elegante, passível de se cortar a tensão no ar. Um filme singelo e sutil, mas que é grande em suas minúcias e nuances sem se pretender mais do que isso. Ponto também para os desenhos dos créditos finais. Um doloroso sorriso agridoce ao final.

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