Três lançamentos nada atuais nos serviços de Streaming que vale a pena conferir.

Zoom (2015)

Toda vez que vejo um livro sobre um escritor, em geral, em crise criativa, ou um filme sobre um diretor ou roteirista, em geral, em crise criativa,  já torço o nariz. Com tanta coisa interessante no mundo, o sujeito precisa recorrer ao expediente fácil de produzir uma autoficção autoindulgente? Pra mim, ou é falta de imaginação, ou excesso de ego. Porém, como faço na maioria das minhas críticas, preciso dar a mão à palmatória. Existem, dentro do gênero, belas obras que transcendem o simples desejo (in)consciente de vitimizar e engrandecer o próprio criador e conseguem trazer boas discussões metalinguísticas. Uma delas é Zoom.

Zoom é uma co-produção Brasil-Canadá, dirigida por Pedro Morelli, que segue 3 histórias em paralelo com diferentes opções estéticas: a primeira é uma comédia com jeitão indie sobre uma desenhista de quadrinhos, interpretada por Alison Pill, que trabalha numa fábrica de bonecas sexuais e está insatisfeita com o tamanho dos seus seios; a segunda, uma animação em rotoscopia onde um diretor de cinema, interpretado por Gael Garcia Bernal, e personagem da história em quadrinhos da personagem de Alison, sofre com uma súbita diminuição no tamanho do seu pênis; e, finalmente, um drama que vira um filme de ação, dirigido pela personagem de Bernal, sobre uma modelo, interpretada por Mariana Ximenes, que quer se tornar escritora, e está terminando de escrever um livro sobre a personagem de Alison Pill.

Pode parecer confuso, mas não é. As histórias se entrelaçam de maneira bem orquestrada e as diferentes estéticas harmonizam sem ruídos. Porém é um trabalho cuja principal preocupação é a forma e não o conteúdo, assim, as personagens são bem bidimensionais, o que em nada prejudica a intenção da obra. Ou melhor, as intenções. E é aí que ele peca. Pouco, mas peca.

O principal plot é sobre como somos personagens uns dos outros. Em alguns momentos somos criadores, em outros, criaturas. Para gerar uma maior identificação entre as histórias, há  um subplot recorrente sobre insatisfação corporal. A personagem de Alison Pill acha os seios pequenos; a de Bernal, o pênis; e a de Ximenes, por incrível que pareça, o cérebro.

O plot principal é resolvido totalmente a contento, enquanto o subplot depende de uma série de Deus Ex Machina para se resolver e não diz direito a que veio. Quase como o Leão, o Espantalho e o Homem de Lata, os protagonistas de Zoom resolvem suas insatisfações corporais com a ajuda de um mágico de Oz um tanto quanto decepcionante, o que tira o foco do plot principal que poderia ter mais espaço no curto filme.

Indicação: Pra quem já se pegou questionando se a sua vida não passa de uma ficção ruim.

Onde assistir: Globo Play.

Mais estranho que a Ficção (2006)

Conversando com um amigo, descobri que boa parte das pessoas não costuma narrar a sua própria vida ou sequer estabelecer diálogos internos. Para quem escreve, isso foi uma grande surpresa; mas faz muito sentido. Afinal, boa parte da humanidade leva uma vida muita corriqueira e planejada, sem muitas autorreflexões. Agora, imagine se uma dessas pessoas começa a ouvir a sua vida sendo narrada por uma voz desconhecida. Essa é a premissa que inicia Mais Estranho que a Ficção.

No filme, Will Ferrel, num raro papel não histriônico, interpreta Harold Crick, um monótono auditor do imposto de renda cuja vida é regida por números e pelo seu relógio. Um dia, enquanto escova os dentes, ouve uma voz feminina narrando a sua vida e, logo depois, descobre, por essa mesma voz, que irá morrer em breve. A narradora é Karen Eiffel, uma escritora depressiva, interpretada por Emma Thompson, que sofre de um terrível bloqueio criativo. Sua principal dificuldade para terminar seu livro é descobrir como matar Harold Crick.

O filme transita entre o conflito do criador que precisa dar um fim à sua criação e o da criatura que não quer morrer. Com bastante elegância, vemos o desenvolvimento dos estágios típicos dos filmes de morte anunciada: negar a realidade; abandonar o trabalho e a rotina massacrantes; descobrir um novo hobby e a vontade de viver; encontrar um novo amor, nesse caso uma confeiteira interpretada por Maggie Gyllenhaal; buscar um mentor, o professor de literatura interpretado por Dustin Hoffman; até confrontar a sua criadora e aceitar a sua morte. Um caso clássico de Homem versus Deus, mas com um humor muito leve e uma boa dose de resignação.

Já sei o que  passou pela sua cabeça: sim, ele tem o jeitão de um daqueles filmes xaropentos de Sessão da Tarde; mas é muito simpático e anda com bastante habilidade no fio da navalha entre o drama e a comédia. Se você for uma pessoa que costuma narrar a sua própria vida, como eu, provavelmente vai verter uma lágrima no final, como eu fiz na última vez que o reassisti.

Indicação: Pra quem já ficou com vontade de confrontar o sádico ou a sádica que escreve a sua vida.

Onde assistir: Aluguel e Compra em Google Play e Claro Vídeo.

Adaptação (2002)

Charlie Kaufmann, depois de anos labutando em sitcoms, com diferentes níveis de (in)sucesso, finalmente estourou e foi indicado ao Oscar com Quero ser John Malkovich, dirigido por Spike Jonze. Outros roteiristas poderiam ter se acomodado e aproveitado a fama, mas não Kaufman.

Três anos depois, ele retoma a parceria com Spike Jonze num filme sobre ele mesmo, sim, é isso mesmo que você leu, suas dificuldades pessoais em se adaptar ao papel de um “roteirista de sucesso” e suas crises criativas durante o processo de adaptação do livro The Orchid Thief, escrito por Susan Orlean, uma jornalista real, interpretada por Meryl Streep.

O início do filme dá a impressão de ser uma longa discussão depressiva sobre a persona de Kaufman que não se encaixa no modelo de sucesso de Hollywood, mas ele vai além. Baseado nas suas próprias dificuldades em adaptar um livro sobre desejo e flores, Kaufman discute, utilizando a figura inventada de um irmão gêmeo aspirante a roteirista mainstream, a relação entre identidade e criatividade. Para que escrevemos? A quem isso atende? Qual é o papel do autor e o que a sua vida significa para a obra? E como nos adaptamos e mudamos no processo de criar algo?

O filme inclusive abandona o livro em que é baseado, muda de gênero e descamba pra uma fantasia masculina megaclichê no final para reforçar essas diferenças de propósito e estilo representadas pelos personagens dos irmãos gêmeos que simbolizam o seu conflito de identidade.

No mais, tem todos os vícios do cinema independente americano do final dos anos 90: é auto irônico, condescendente, e excessivamente cerebral. Mas há momentos onde, no meio do intelectualismo do Kaufman, você consegue criar empatia com os personagens. Na época, essa visão irônica e distanciada do mundo era a norma; hoje, o filme pode até ser considerado cruel e frio, mas isso em nada compromete a sua genialidade.

Curiosidade: o crédito do roteiro do filme é de Charlie Kaufman e de seu irmão, inventado para o filme, Donald.

Indicação: Pra quem já se pegou questionando se não somos os verdadeiros roteiristas das tragicomédias que vivemos.

Onde assistir: OldFlix em streaming, aluguel e compra na Claro Vìdeo e Apple TV.

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