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Os pecados capitais das crises de meia idade de Michael Douglas

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Em 2024 vou completar 50 anos e comecei a perceber que os filmes de Michael Douglas estão cada vez mais presentes no meu consumo diário de mídia. Eu ligo a TV e, nos canais a cabo, esbarro com ele traindo a esposa, lutando contra o vício em drogas, ou proclamando aos quatro ventos que “A ganância, na falta de termo melhor, é boa”. Entro nos serviços de streaming e o acompanho lidando com paralisias literárias ou emocionais, falta de propósito, dele e do mundo, e de empatia, com a família e com a sociedade.

Não sei, mas acho que, talvez, essa seja uma forma do algoritmo, baseado na minha idade, etnia e gênero, me sugerir terapeuticamente filmes voltados a homens brancos, cis, héteros, (i.e. HBCH), entrando em ou vivendo uma crise de meia idade.

Sério. Se você olhar com atenção para a filmografia de Douglas de meados dos anos 80 aos anos 90 é só isso o que vai encontrar. Homens amargos, calejados pela vida, passando por momentos de angústia existencial, que eles sempre resolvem da pior maneira possível: se entregando aos pecados capitais e carregando todos a sua volta para suas próprias crises de pelanca de machinhos feridos.

Como não quero discutir com a Skynet nascedoura das inteligências artificiais das Big Techs, simplesmente assumi que é minha responsabilidade reassistir a todas essas obras e escolher a versão de Michael Douglas (e seu pecado correspondente) que servirá de espírito animal para a minha crise dos 50. Vamos a algumas opções:

Avareza – Gordon Gecko (Wall Street)disponível no Star+
Gordon Gecko, poderoso investidor da Bolsa, se torna mentor de jovem ambicioso que vende a própria família para fazer sucesso em Wall Street. Pra piorar, o jovem começa a sair com a sua ex-namorada, tem uma crise de consciência e, por ganância, se volta contra ele, que termina preso, mas, rico como é, vai acabar sendo liberado sem passar um minuto na cadeia.

Luxúria – Detective Nick Curran (Instinto Selvagem)disponível em Amazon Prime e NOW
Nick Curran, um policial cheio de problemas, viciado em drogas e sexo, investiga um assassinato bizarro de uma celebridade com forte cunho sexual. Pra piorar, a principal suspeita é uma escritora sensual e manipuladora que testa os limites do pobre detetive e o faz questionar quem realmente fica por cima, ou por baixo, (opa!) na relação.

Ira – William Foster, a.k.a., D-Fens (Um Dia de Fúria)disponível para aluguel na Apple TV, na Amazon Prime e no Google Play
William Foster, desempregado, divorciado, e em crise com um Estados Unidos que não reconhece mais, dá uma surtada durante um congestionamento em Los Angeles e resolve ir a pé para o aniversário da sua filha. Pra piorar, no caminho encontra tudo que acha de ruim na modernidade, mas parece que a ficha da sua própria obsolescência não lhe cai.

Inveja – Tom Sanders (Assédio Sexual)disponível na HBO Max
Tom Sander, um executivo careta, com uma vida familiar monótona, crente que ia ser promovido para diretor da avançada divisão de CD-ROM (por favor, não ria), descobre que a sua belíssima ex-namorada foi contratada para o cargo que ambicionava. Pra piorar, ele é assediado pela nova chefe, e resolve levar a questão pra justiça, enquanto é envolvido numa pequena conspiração corporativa meio sem graça.

Preguiça (e Gula) – Professor Grady Tripp (Garotos Incríveis)não disponível em streaming
Professor Grady Tripp, recém abandonado pela mulher, pressionado pelo seu editor, e num caso extra conjugal com a sua chefe que acabou de revelar ter engravidado dele, precisa terminar de escrever um livro interminável, enquanto se faz de ama seca de jovem escritor mitomaníaco que matou o cachorro da sua namorada. Pra piorar, ele fuma maconha sem parar e tem desmaios súbitos e inexplicáveis.

Soberba – Todos!

Agora se tem uma coisa que perpassa todos esses personagens e filmes é a causa raiz da crise de meia idade do HBCH: a Soberba. Pra ele, e pra todos que estão passando por essa fase, tudo é importantíssimo e urgentíssimo, pois eles acham que são as coisas mais preciosas e primordiais da face da Terra.

Enfim, ou ele lida com a sua (im)potência sexual agora, ou o mundo vai acabar; ou ele consegue aquela promoção que ele tem certeza que merece, ou o mundo vai acabar; ou ele termina de escrever o seu livro, ou o mundo vai acabar; ou ele chega na festa de aniversário da sua filha, ou… vocês sabem.

Os filmes de crise de Michael Douglas são como filmes catástrofes de um homem só. Se os seus personagens não resolverem suas questões egóicas os (seus) mundos acabarão, e, porque são sujeitos brutalmente narcisistas, como boa parte dos HBCH, eles vão querer que o mundo de todos acabe junto.

O que Michael Douglas nos mostra é que o estereótipo do homem branco, cis, hetero, de meia idade é, na verdade, um ser sem imaginação. Impossibilitado de sequer pensar em viver num mundo diferente ou ser uma pessoa diferente, ele se agarra soberbamente com unhas e dentes a uma versão dele mesmo que não faz mais sentido, e, se continuar assim, ele tem razão, o mundo realmente vai acabar, pois ele mesmo irá destruí-lo.

Olhando bem, de certa forma, todos os males globais que estamos vivendo nos 2020s, são crises de homens de meia idade que não conseguem encarar a própria mortalidade. Crise climática, retorno do fascismo, capitalismo tardio são apenas sintomas de problemas de HBCH, nesse caso, ricos, que não querem largar o osso e começam guerras, destroem o meio ambiente, e promovem a desigualdade para manter as ilusões de uma virilidade que nunca tiveram.

Dada a atual situação do mundo, pode até parecer que não tem jeito pra resolver essa crise, mas há uma saída que o próprio Michael Douglas nos ensina. No final de todos os seus filmes, ele não resolve suas angústias destruindo os moinhos de vento que ele acha que o atacam; no final de todos os seus filmes, ele simplesmente desiste. Ele abandona o livro inacabado e a maconha; ele descobre que as mulheres que “ameaçavam” sua carreira eram, sim, mais competentes e merecedoras da promoção que ele; ou ele se entrega à justiça, para pagar pelos seus crimes, ou emocionalmente, deixando-se apaixonar pela mulher que ainda pode, e provavelmente irá, lhe matar com um picador de gelo.

Vai ver, ao me sugerir esses filmes, o algoritmo não esteja querendo me afundar numa crise dos 50, mas me mostrar um caminho para sair dela. Talvez Michael Douglas, e a iluminação tardia quase budista que seus filmes proporcionam possam ser uma luz a nos guiar da barafunda política, social e espiritual na qual estamos metidos. Será que Trump, Putin e companhia não deveriam estar vendo esses filmes também?

Caramba, me desculpem pelo papo doido, mas deve ser a minha crise de meia idade falando. Jesus, como vou conseguir dormir depois dessa? E aí, Michael, alguma sugestão?

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