Há momentos na vida que ficam marcados para sempre e que podem determinar como iremos lidar com as situações que vão surgindo diante dos nossos olhos. Se eles forem positivos, podemos até termos uma visão mais otimista e esperançosa das coisas, mantendo uma alegria genuína em nossos corações. Mas se forem negativos, provavelmente a tristeza, a culpa e a insegurança tomarão conta de nós e dificultarão as relações interpessoais. É disso que trata o filme “Manchester à Beira-Mar” (“Manchester by the sea”, 2016), um dos mais belos e contundentes dramas lançados nos Estados Unidos e que, após fazer um grande sucesso no Festival do Rio 2016, finalmente estreia no circuito nacional. O filme tem sido bastante lembrado na temporada atual de premiações e tem grandes chances de conquistar (com justiça) diversas indicações nas categorias nobres do Oscar 2017.

A produção seria estrelada pelo astro Matt Damon, que também faria sua estreia como diretor. Mas com a agenda lotada por diversos compromissos, teve que dar seu lugar para o cineasta Kenneth Lonergan e para o ator Casey Affleck, seu amigo de longa data. A troca não poderia ser mais benéfica para o projeto, já que não dá para imaginar outras pessoas substituindo os dois e obtendo um resultado tão sensacional e verdadeiramente emotivo, como poucos filmes conseguem nos dias de hoje.

Na história acompanhamos a vida de Lee Chandler (Casey Affleck), que trabalha como zelador de um condomínio em Boston que, quando não está trocando lâmpadas ou limpando banheiros, costuma beber em bares e, invariavelmente, se mete em brigas e confusões. Um dia, ele recebe a notícia da morte de seu irmão mais velho, Joe (Kyle Chandler), o que o faz voltar à Manchester, sua cidade natal. O que Lee não contava é que Joe deixou um testamento que  o deixa como guardião legal de seu sobrinho de 16 anos, Patrick (Lucas Hodges). Embora goste do garoto, ele não se considera apto para esse tipo de compromisso. Mas, não tendo outra saída, Lee resolve passar um tempo com  o rapaz, aproveitando que está de férias. Só que voltar ao seu antigo lar irá colocá-lo em situações que ele preferia não encarar, inclusive um reencontro com Randi (Michelle Williams), sua ex-mulher, o que traz de volta certos problemas de seu relacionamento no passado.

Com uma grande sensibilidade, Lonergan (também autor do ótimo roteiro) trabalha de forma brilhante os questionamentos dos personagens, especialmente os conflitos pelos quais o protagonista passa à medida que a história avança. Ele percebe, pouco a pouco, que precisa ser o novo “pai” de Patrick, mesmo não se sentindo em condições de fazê-lo, ainda mais com os traumas que carrega em sua mente e que o impedem de se sentir uma pessoa melhor. O diretor também acerta ao dar um clima frio e melancólico à cidade onde a trama é ambientada, auxiliado por uma fotografia belíssima, com seus tons desbotados, além de tirar de seu elenco atuações mais do que inspiradas, que ajudam o espectador a ser absorvido pelo que é mostrado na telona.

Mas o grande destaque de “Manchester à Beira-Mar” é mesmo a fantástica performance de Casey Affleck, que transmite de forma precisa a angústia e a melancolia que permeiam sua personalidade, além de sua impotência em superar seus problemas. O ator torna Lee um personagem realmente humano, que erra e acerta como todos nós, criando uma identificação genuína com o público, que é absorvido pelas questões que ele tem que lidar. O restante do elenco também está muito bem. Michelle Williams divide momentos importantes e poderosos ao lado de Affleck, embora sua participação seja bem pequena. Mas como a atriz dá mais um show de interpretação (algo que tem sido frequente em sua carreira), sua presença se torna bem marcante para o espectador. O jovem Lucas Hodges se sai bem como Patrick, especialmente nas cenas em que mostra que precisa encontrar uma maneira de viver sem o pai, muito bem defendido por Kyle Chandler, que convence como o irmão simpático e protetor de Lee.

“Manchester à Beira-Mar” é um filme doloroso e até mesmo angustiante. Mas, ao mesmo tempo, é incrivelmente instigante, que te prende na cadeira como muitos dramas não têm conseguido ultimamente. Uma experiência arrebatadora que vale ser conferida por todos os amantes do bom cinema.

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