Criado por Mike Mignola, Hellboy possui uma considerável legião de fãs desde que seus quadrinhos começaram a ser publicados em 1984. Um deles foi Guillermo Del Toro, que lutou bastante para levar para as telonas uma adaptação do personagem. Estrelado por Ron Perlman (uma das exigências do diretor e do “pai” do anti-herói), o filme foi lançado em 2004 e, embora não tenha sido um grande sucesso de bilheteria, arrecadou o suficiente para tornar o protagonista bem mais conhecido para o grande público. Assim, Del Toro voltou aos sets de filmagem para realizar a sequência, que saiu quatro anos depois. Embora, para muitos, tenha sido considerado melhor do que a produção original, “Hellboy II – O Exército Dourado” não rendeu o esperado, o que fez com que os produtores puxassem o freio e desistissem de investir numa terceira parte. O diretor foi em frente e, entre um tropeção aqui (“A Colina Escarlate”) e um acerto ali (“Círculo de Fogo”), finalmente se consagrou em 2017 com “A Forma da Água”, conquistando vários prêmios, inclusive os Oscars de Melhor Filme e Direção.

Portanto, soa inusitado e insólito de que, 15 anos depois do lançamento do primeiro filme comandado por Del Toro, chegue às telas um reboot de “Hellboy” (idem, 2019), que conta com um elenco todo novo e uma pegada mais pesada, com mais violência, sangue e palavrões, do jeito que os fãs dos quadrinhos e o público adolescente gostam. Mas algo parece ter fugido do controle e o filme acaba pecando justamente naquilo que não podia faltar nesta nova obra: a capacidade de emocionar e cativar o público, algo que o filme original tinha de sobra.

Assim, somos reapresentados a Hellboy (David Harbour), um demônio que, desde pequeno, é criado pelo Professor Broom (Ian McShane) como um filho e o ajuda a combater ameaças sobrenaturais que surgem na Terra de tempos em tempos. Mas as coisas ficam complicadas quando um misterioso ataque a um mosteiro na Inglaterra indica a possibilidade de que alguém (ou algo) quer trazer de volta dos mortos a feiticeira Nimue (Milla Jovovich), que está disposta a destruir a raça humana por vingança. Assim, Hellboy, ao lado de Alice (Sasha Lane) e o agente Ben Daimio (Daniel Dae Kim), tentam impedir os planos de Nimue, ao mesmo tempo em que tenta entender questões relacionadas ao seu passado.

O filme não é de todo ruim, possui um design interessante, principalmente na concepção das criaturas sobrenaturais, uma boa trilha sonora (especialmente para quem gosta de rock pesado) e apresenta, inicialmente, um bom ritmo, principalmente nas cenas em que Hellboy tem que enfrentar um colega da agência em que trabalha. O problema é que, à medida que a trama avança, o diretor Neil Marshall (de “Abismo do Medo” e condutor de vários episódios de séries como “Game of Thrones”, “Westworld” e “Hannibal”) acaba não sabendo lidar com tanta informação bombardeada pelo roteiro de Andrew Cosby e do próprio Mike Mignola, que acaba apelando para ficar só no terreno do choque, mas sem qualquer emoção ou empolgação.

Por causa disso, boa parte das coisas mostradas na tela acabam não gerando empatia e fica tudo no campo do esquecível, ao contrário dos filmes de Del Toro, que sempre deixaram o espectador intrigado com aquele universo. Para piorar, por mais que David Harbour e Ian McShane sejam ótimos atores, não há química entre os dois e isso era essencial para que o público comprasse a relação de pai e filho. Isso também se reflete nas questões envolvendo a origem de Hellboy, que é tratada tão superficialmente que algumas reações mais exaltadas do personagem parecem anacrônicas e paradoxais. Outro problema do roteiro, que tenta condensar diversas histórias do anti-herói, mas sem um foco definido e que podem confundir um espectador mais desatento.

Debaixo de uma pesada (e boa) maquiagem, David Harbour consegue um grande feito como Hellboy e se mostra mais do que adequado ao papel. O ator dá um tom irônico certeiro que funciona bem em alguns momentos da trama e é o grande destaque do elenco. Por outro lado, Milla Jovovich reforça ainda mais suas limitações como atriz. Ela ainda continua belíssima, como quando estrelou “O Quinto Elemento”, por exemplo. Mas dramaticamente, demonstra não ter evoluído praticamente nada de lá para cá. Por causa disso, ela nunca consegue tornar Nimue uma vilã a ser temida ou até mesmo admirada e, por causa disso, sua ameaça acaba ficando empalidecida e perde a importância. Já Sasha Lane e Daniel Dae Kim não prejudicam, mas também não se sobressaem, sendo apenas funcionais.

“Hellboy” pode não ser o pior filme do ano (quem viu “A Sereia: Lago dos Mortos” sabe que esse tem grandes chances de ganhar essa alcunha), mas certamente entra na lista de grandes decepções de 2019. É uma pena, porque os realizadores tinham certeza do sucesso, tanto que tem três cenas pós-créditos que indicam a possibilidade de, pelo menos, três continuações diferentes – ou um novo filme juntando todas as ideias, o que não seria uma boa ideia. Mas como ele tem sido mal recebido em todo o mundo, as chances de uma nova franquia com Harbour à frente são mesmo escassas. Dá para perceber que houve uma boa vontade dos envolvidos no projeto para reintroduzir o personagem. Mas sabem o que diz o ditado popular: “De boas intenções, o inferno está cheio”.

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