Se tem alguém que conheceu o Céu e o Inferno de Hollywood, local onde sonhos (mas também pesadelos) se realizam para quem quer se fazer no cinema, este alguém é Mel Gibson. Revelado na década de 1980 com “Mad Max” (que gerou mais três sequências até agora e somente a mais recente, “Estrada da Fúria”, não foi estrelada por ele), Gibson se tornou um grande astro, cuja popularidade ficou ainda maior quando protagonizou a franquia de ação “Máquina Mortífera” (que até virou série de TV), ao lado de Danny Glover em quatro explosivas aventuras, que possibilitaram estrelar outras produções, umas bem sucedidas, outras nem tanto.

Mas ele não ficou satisfeito em ser apenas um ator e resolveu trabalhar também atrás das câmeras. Primeiro, dirigiu e protagonizou o drama “O Homem Sem Face” em 1993, que não chegou a causar grande repercussão. Já o seu segundo projeto como diretor deixou todo mundo de queixo caído e o tornou um cineasta respeitado com o público e crítica. Com “Coração Valente”, um empolgante épico ambientado na Escócia do século XIII, Gibson alcançou a consagração total, que culminou com os Oscars de Melhor Filme, Diretor, Fotografia, Edição de Som e Maquiagem de 1996. Religioso convicto, Gibson realizou, em 2004, “A Paixão de Cristo”, que mostra os últimos momentos de Jesus na Terra de uma maneira intensa e bastante violenta, que dividiu opiniões, mas foi um grande sucesso de bilheteria e é exibido até hoje por emissoras de TV durante feriados santos.

Com todos esses sucessos, parecia que Gibson ficaria no topo de Hollywood por muito tempo, tanto como ator como diretor. Só que seu temperamento explosivo, seus problemas com o alcoolismo e agressão familiar e, principalmente, suas declarações bombásticas, especialmente contra minorias como os judeus (que são alguns dos maiores produtores de cinema dos Estados Unidos), acabaram por derrubá-lo de seu pedestal e o tornaram persona non grata por muito tempo, mesmo com a ajuda de alguns amigos, como a atriz Jodie Foster. Mas parece que Gibson está prestes a sair de seu Purgatório, já que voltou a participar de grandes produções como ator (como “Os Mercenários 3”) e mostrou que não desaprendeu a dirigir com seu mais recente projeto, “Até o Último Homem” (“Hacksaw Ridge”, 2016), drama de guerra inspirado em fatos reais que é um verdadeiro espetáculo cinematográfico e possui alguns elementos característicos de sua filmografia como cineasta, ao mesmo tempo que tem relação com as convicções religiosas que sempre defendeu, resultando numa obra impactante e muito bem realizada.

O filme mostra a história de Desmond Doss (Andrew Garfield), que decide se tornar médico do Exército para ajudar os soldados durante a II Guerra Mundial. Após o alistamento, ele passa por um exaustivo treinamento comandado pelo Sargento Howell (Vince Vaughn), no qual acaba se saindo muito bem. Só que Desmond, por causa de sua crença religiosa, se recusa a usar qualquer tipo de arma de fogo, o que desagrada os outros militares, como o Capitão Glover (Sam Wortington), que exigem que o rapaz mude de ideia. Mas Desmond não desiste e, mesmo sofrendo várias represálias, consegue ir à Guerra mantendo sua vontade. O jovem, junto com seus colegas, parte para Okinawa, no Japão, e participa de uma missão para recuperar a Colina Hacksaw (que é o nome original do filme). No meio de um intenso combate, Desmond faz o possível para salvar a maioria de homens possível sem trair o que acredita, o que não será nada fácil.

A primeira metade de “Até o Último Homem”, assim como “Nascido Para Matar”, de Stanley Kubrick, se concentra basicamente no árduo treinamento pelo qual o protagonista passa, tendo alguns poucos momentos românticos envolvendo Desmond e sua namorada Dorothy (Teresa Palmer) e sua relação conturbada com o pai, Tom (Hugo Weaving), veterano da I Guerra Mundial. Aqui, Gibson se esmera em tornar Desmond uma pessoa com quem o público não só se identifique, mas também defenda a ideia do jovem de não atirar em ninguém, sob qualquer circunstância. Para isso, ele não se constrange em pegar elementos de outros cineastas, como o já citado Kubrick, mas também Martin Scorsese, por exemplo. Basta notar uma cena ambientada numa cela de prisão para lembrar de uma sequência semelhante em “Touro Indomável”. Mesmo assim, isso não causa irritação, já que o diretor demonstra uma paixão pelo que está fazendo e obtém o resultado que desejava.

Mas o filme realmente impressiona a partir do momento em que retrata a guerra e os horrores causados pelos combates. Assim como Steven Spielberg fez com “O Resgate do Soldado Ryan”, Gibson filma as cenas de batalha com um incrível vigor que deixa o espectador com os olhos vidrados na tela, num ritmo verdadeiramente alucinante. Embora Spielberg tenha realizado um trabalho superior, não dá para menosprezar o que o diretor de “Apocalypto” fez aqui, onde o sangue chega a sujar a tela em uma das sequências mais tensas da produção. Vale destacar, além da impressionante fotografia de Simon Duggan, a edição de som e os efeitos especiais que tornam bastante realistas as batalhas. É uma pena que Gibson decida, quase na parte final do filme, tornar Desmond quase um super-herói cristão e faz com que suas façanhas sejam mais glorificadas do que deveriam ser, pois elas acabam colocando os outros militares (mesmo os de patentes superiores) submetidos à vontade do médico, o que soa estranho e perde um pouco da força até então obtida pelos envolvidos nesta produção.

À frente do elenco, o ex-Homem-Aranha Andrew Garfield tem um dos melhores momentos de sua carreira, em que consegue evitar de tornar Desmond um rapaz bobo por causa de suas convicções. O ator dá a carga certa de humanidade para o seu personagem e mostra uma boa parceria, tanto com Teresa Palmer (que usa seu carisma para construir Dorothy) quanto com os que representam seus companheiros de ação. Sam Wortington está apenas correto e não prejudica o trabalho de outros atores, mas também não se destaca. Vince Vaughn volta a usar seu jeitão de cara legal, mesmo tentando ser um sargento durão, mas não se sai mal. O australiano Luke Bracey, que protagonizou a péssima refilmagem de “Caçadores de Emoção” em 2016, tem aqui um bom momento como o soldado Smitty, que inicialmente se antipatiza com Desmond, mas depois passa a considerá-lo melhor. Vale destacar também a ótima performance de Hugo Weaving, o agente Smith da franquia “Matrix”, num papel mais dramático e bem diferente dos vilões que o público está acostumado a ver.

Indicado a seis Oscars, inclusive Melhor Filme, Diretor e Ator (Garfield), “Até o Último Homem” pode não sair consagrado da premiação este ano, já que os favoritos são “La La Land” e “Moonlight”. Mas mesmo assim, pode ser considerado um filme vitorioso, especialmente para Mel Gibson, que volta à elite de Hollywood pela porta da frente graças a um trabalho muito bem realizado. Resta torcer para que ele faça mais boas contribuições com o cinema e fique longe dos problemas que quase custaram a sua carreira. Oremos.

1 COMENTÁRIO

  1. O que mais eu gostei deste filme é a musica com a que a ambientaram cada situação da historia. Quando leio que um filme será baseado em fatos reais, automaticamente chama a minha atenção, adoro ver como os adaptam para a tela grande, acho que são as melhores historias, porque não necessita da ficção para fazer uma boa produção. Gostei muito de Até o último homem, não conhecia a história e realmente gostei, acho que é um dos melhores filmes drama é muito bom! É impossível não se deixar levar pelo ritmo da historia, achei um filme ideal para se divertir e descansar do louco ritmo da semana.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui