O lançamento de cada filme de Quentin Tarantino é um evento. O renomado diretor, mesmo com relativamente poucos lançamentos em seus cerca de 30 anos de carreira, conta com um currículo admirável, quase que completamente composto por clássicos do cinema. Tamanho nível de excelência torna até difícil estabelecer um ranking de seus melhores trabalhos.

De Cães de Aluguel a Os Oito Odiados, muitos momentos marcantes. Segundo o próprio Tarantino, serão ao todo 10 filmes com sua assinatura antes de sua aposentadoria. Em 2019, Era Uma Vez…Em Hollywood (Once Upon a Time…in Hollywood, no original) chega em cartaz sendo, em tese, a penúltima obra do diretor.

Tarantino implanta uma personalidade muito própria em seus filmes. Era Uma Vez em Hollywood também conta com a marca do diretor, porém em um tom muito mais lúcido e maduro, fugindo levemente do estilo do diretor. Protagonizado por Leonardo Di Caprio vivendo o ator Rick Dalton, Brad Pitt como o dublê Cliff Booth e Margot Robbie interpretando Sharon Tate, o filme exige um conhecimento prévio por parte do espectador que pode fazer toda a diferença na experiência ao assistir a obra cinematográfica.

O brutal assassinato de Sharon Tate a mando de Charles Manson abalou Hollywood no fim dos anos 60 e foi considerado um divisor de águas na indústria. O caso é muito famoso principalmente nos Estados Unidos. Ter esta informação é crucial para ter um maior entendimento dos acontecimentos retratados no filme, principalmente em seu terço final.

Por sinal, as mais de duas horas e meia de duração quase não são sentidas. Era Uma Vez em Hollywood não conta exatamente com um plot principal. A obra se engaja mais em mostrar e homenagear Hollywood do período histórico retratado. Em meio a isso, temos Rick Dalton e Cliff Booth (ambos criados para o filme, são personagens fictícios ao contrário de Tate) formando uma incrível dupla. Leonardo DiCaprio e Brad Pitt trabalham juntos pela primeira vez e apresentam um grande resultado.

O Rick Dalton de DiCaprio tem uma veia narcisista e ao mesmo tempo insegura. Dar vida a um ator interpretando diversos papéis e mudando completamente o tom de uma cena para outra é um trabalho difícil e que foi executado com maestria. Os diálogos do personagem tanto com terceiros quanto consigo mesmo são muito bem feitos e criam várias camadas para Dalton, que se vê obsoleto e praticamente sozinho no mundo, tendo apenas a companhia de Booth.

O dublê interpretado por Brad Pitt rouba o filme para si em diversos momentos, muito por conta de seu tom caricato, o mistério em volta de seu passado recente com a ex-esposa e a exploração de suas habilidades corporais, o que faz todo o sentido dentro de seu papel no filme. Ainda assim, um dos momentos mais tensos e marcantes não só de Booth como de Era Uma Vez em Hollywood como um todo não envolve nenhum tipo de conflito físico. A cena em um rancho chega a flertar com o suspense/terror. Embora funcionem muito bem juntos, os momentos solo de Rick Dalton e Cliff Booth são tão interessantes quanto, cada um em seu plot, ainda que os personagens sejam dependentes um do outro.

Por outro lado, a jornada de Sharon Tate no filme não é muito bem desenvolvida e talvez a intenção nem fosse essa. Tarantino não se preocupa em estabelecer um arco claro para a personagem, tampouco em número de falas. O modo que a atriz foi retratada esteve mais voltado a uma homenagem e apreciação, inclusive nem se dando ao trabalho de substituir o rosto da atriz de verdade pelo de Margot Robbie em momentos nos quais em tese haveria a necessidade para tal. Uma singela homenagem à figura vítima do assassinato.

Já que – para quem tinha conhecimento da história real – o grande momento da obra, o que realmente importa, é a morte da atriz, até poderia se dizer que o filme conta com algumas barrigas. Porém, os diálogos são tão bem construídos, assim como a jornada dos dois personagens principais, que o público pode embarcar junto sem problemas. O que não muda o fato de que o arco geral da produção não é muito claro, fazendo assim com que cause estranhamento em um grupo de espectadores não tão engajado.

Tecnicamente, Era Uma Vez em Hollywood funciona de modo excelente. Uma fotografia amarelada somada a toda a ambientação trazem todo um clima dos anos 60. O CGI foi dispensado, o que contribuiu para proporcionar tal sensação. O próprio filme faz questão de ostentar todos os arredores da Hollywood daquela época através de passeios de carro dos personagens.

Mesmo com o calibre de seu elenco, com nomes renomados da indústria, o diretor não quis fazer um grande blockbuster usando a imagem dos atores à disposição. Era Uma Vez em Hollywood é muito diferente do que se vê normalmente em cartaz e foge, ainda que só um pouco, até mesmo do estilo de Tarantino, tendo um tom mais lúcido. Uma obra que merece ser apreciada.

Era Uma Vez em Hollywood é uma obra de Quentin Tarantino que pode ser um divisor de águas por parte dos fãs devido a exigência do conhecimento prévio por parte dos espectadores e a capacidade de notarem as inúmeras referências. Ainda assim, embora não seja o melhor trabalho do diretor, alcança um alto grau de excelência e é altamente recomendável.

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