A obra literária de Alfred Döblin “Berlin Alexanderplatz”, escrita em 1928, chega à terceira adaptação para o audiovisual. A primeira foi uma produção cinematográfica dinamarquesa de 1931 dirigida por Phil Jutzi; a segunda foi uma minissérie para a TV criada pelo diretor alemão Rainer Werner Fassbinder. Ambas trabalharam a ambientação original do livro: a Alemanha dos anos 20 e todo o caldeirão cultural pelo qual o país passava durante a República de Weimar, já vivenciando o clima de antissemitismo que beirava a ocasião.

 

Nesta nova versão, o diretor Burhan Qurbani traz a história para os dias de hoje, trocando alguns elementos para torná-la mais atual. Enquanto no livro o protagonista é um alemão recém-saído da prisão que tenta se manter “bom”, apesar de tudo o que ocorre em sua vida, nesta nova adaptação ele é Francis (Welket Bungué), um refugiado de Guiné-Bissau que, após sobreviver ao naufrágio da embarcação que o trouxe até a Europa, jura que fará sempre o bem.

 

Francis tenta manter sua promessa, porém sua convicção é constantemente abalada pela realidade de ser um africano sem documentos em um país europeu. Ele acaba fazendo amizade com Reinhold (Albrecht Schuch), um traficante de drogas que emprega africanos refugiados em sua operação, que é realizada no parque Hasenheide. Francis tenta sobreviver no mundo do crime sem deixar de cumprir sua promessa, o que ocasiona desentendimentos com seu empregador e, posteriormente, o rompimento temporário de suas relações.

 

É nesse momento de ruptura que ele conhece a prostituta Mieze (Jella Haase), com quem desenvolve um relacionamento amoroso. O distanciamento entre Francis e Reinhold, porém, não dura muito tempo, e pouco depois os dois voltam a trabalhar juntos, sem que o protagonista permita que seu empregador conheça Mieze. Francis tenta evitar que a moça conheça seu lado violento.

 

O filme incorre em alguns problemas, a começar pela sua duração (3 horas), que não precisava ser tão longa; existem muitas barrigas na história, que poderia ser mais enxuta. Além disso, o roteiro apresenta inconsistências, que tornam forçadas algumas mudanças de atitudes de Francis e Mieze. Algumas decisões tomadas pelo casal são incoerentes com suas personalidades, causando um sentimento de estranhamento no espectador e impedindo a narrativa de ser acompanhada de forma fluida.

 

A atuação do trio de protagonistas é o destaque do filme. Bungué imprime em Francis a dor e o desespero de um refugiado que tenta a todo custo sobreviver em um país estranho sem deixar de ser uma boa pessoa, mas que é constantemente atropelado pelo destino. Schuch realiza um grande trabalho mostrando a afetação de um personagem que, ao mesmo tempo que tem algum defeito físico e problemas sexuais com as mulheres, é extremamente violento e manipulador. O ator mostra toda a energia de que Reinhold necessita e cria um grande antagonista, com trejeitos que funcionam muito bem, e que provoca ódio no espectador quando aparece na tela. Hasse, que também é a narradora da história, trabalha muito bem a dualidade de seu personagem, uma prostituta fria e arrogante, e ao mesmo tempo, a doce mulher que cuida de Francis. É uma pena que a atriz entre em cena apenas na metade do filme.

 

A escolha do diretor de modernizar a obra literária foi uma boa ideia, principalmente ao decidir fazer uma crítica social à forma como os refugiados são tratados na Europa. Ao não terem a oportunidade de obter documentos legais para trabalhar como qualquer cidadão, os refugiados são excluídos pela sociedade e muitos acabam abraçando a criminalidade para sobreviver.

 

O problema do filme se encontra na inconsistência do roteiro. A impressão que fica é que os roteiristas criaram primeiro o final e depois escreveram uma história que seguiu em outra direção, mas que ainda assim foi encaixada com o final previsto. Isso comprometeu a construção dos personagens, fazendo com que o longa perdesse sua força.

 

 

Nota: 3,0 estrelas

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui