A modernização do Japão no pós-Segunda Guerra Mundial, trouxe, além de um grande desenvolvimento tecnológico e econômico, uma cultura que busca misturar a tradição com a inovação científica. Diante de um cenário de efervescência cultural, muitas estranhezas surgiram, principalmente para os olhares ocidentais. Em “Uma História de Família”, o diretor alemão Werner Herzog nos apresenta uma dessas situações estranhas que só acontecem por em terras japonesas: uma empresa que aluga uma família, seja para a participação em eventos muito rápidos, seja para eventos mais duradouros.

 

Enquanto acompanhamos a história principal, Herzog abre nossos olhos com sua câmera na mão, nos mostrando pequenos eventos que a Family Romance LLC é contratada para realizar. Eventos tais como alugar um marido durante um casamento para que este possa entrar com a filha no altar, já que o marido de verdade causa embaraços que a família quer evitar; ou ser contratado para ficar no lugar de uma pessoa que cometeu um erro grande em seu trabalho a fim de ser repreendido pelo chefe no lugar do funcionário, evitando assim um constrangimento para sua família.

 

O diretor opta por trabalhar neste filme com atores japoneses não profissionais, aproveitando para utilizar seus nomes reais como nomes dos personagens. Na trama principal acompanhamos o fundador da empresa de aluguel Ishii Yuichi se passar pelo pai de Mahiro, que tem 12 anos. A menina só teve contato com o pai quando era muito nova e, por esse motivo, não tem recordações com ele.  Sua mãe contrata a empresa Family Romance LLC para que Ishii possa encontrar com a garota uma vez por semana e fazer passeios pela cidade. O filme não fornece respostas diretas aos questionamentos que levanta, mas entendemos que a mãe ficou “sem jeito” de contar à filha, quando esta era criança, que o pai havia falecido e optou por contar que ele havia abandonado a família. Ao longo do filme a relação entre Ishii e Mahiro vai crescendo e isso desencadeia uma série de sentimentos e conflitos nos três envolvidos.

 

Herzog grava a cena inicial do filme durante o florescer das cerejeiras no Japão. Dessa forma o diretor cria imagens muito bonitas da natureza, mesclando cenas aéreas feitas por drones e cenas feitas pelo diretor com a câmera na mão, ao mesmo tempo em que utiliza um plano de baixo para cima para integrar os atores à natureza. Nessa mesma cena o diretor começa a mostrar a quebra do gelo entre o falso-pai e a filha e a ligação que os dois construirão.

 

Em “Uma História de Família” Herzog apresenta um dos sentimentos mais fortes na cultura japonesa: a questão da vergonha, do constrangimento, do quanto alguém pode ficar embaraçado ou preocupado com o que os outros vão comentar ou mesmo sentir se certa coisa acontecer, ou se descobrirem certa atitude sua, ou se conhecerem seu pai em seu casamento. E mostra como uma empresa pode se aproveitar dessa cultura do constrangimento para lucrar, sem mesmo perceber que isso pode ser ainda mais danoso para os envolvidos, pelas mentiras que estão sendo não apenas ditas nesse momento, mas também vivenciadas. Herzog discute como essas mentiras podem ser perpetuadas a tal ponto que as partes envolvidas não conseguem mais acreditar naqueles que estão à sua volta, duvidando se todos com quem convivem são pessoas reais ou apenas atores contratados para tornarem sua vida mais feliz.

 

Nota: 4.0 Estrelas

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