Documentártio dirigido por Kelly Cristina Spinelli ganhou a categoria Melhor Documentário no Festival de Gramado 2022 (Foto: Divulgação)

Ganhador do prêmio de melhor documentário no Festival de Gramado de 2022, Um Par para Chamar de Meu, de Kelly Cristina Spinelli, será lançado no circuito Spcine no próximo dia 30, e, posteriormente, no Canal Brasil. O primeiro longa da diretora tem como tema o universo da dança e dos personal dancers, homens contratados para dançar com mulheres em bailes. O filme é produzido pela Olé Produções, que também o distribui no Brasil. A distribuição em on demand no exterior é da O2Play.

“O documentário levanta a questão do ostracismo social das mulheres na terceira idade. Fala também de uma questão geracional, de como a sociedade afeta de forma diferente as mulheres de cada geração e os passos que cada geração consegue dar.”

O ponto de partida foi a própria mãe da cineasta, Eni Spinelli, que, com a morte do marido, sentiu a perda de sua vida social. A partir de observar como sua mãe se transformou quando começou a contratar personal dancers para ir aos bailes, Kelly viu que tinha ali uma questão interessante para um documentário.

“As mulheres mais velhas costumam ter sua vida social mediada pelos parceiros. Sua participação na vida pública dependeu dos maridos a vida toda. Quando eles faltam, não podem ou não querem acompanhá-las, elas sentem que ficam presas à vida familiar, criação dos netos e eventos de família. Se tentam ir sozinhas aos bailes, tomam chá de cadeira. E assim, muitas deles começam a contratar personal dancers.”

Partindo do pessoal para atingir o universal, Um Par para Chamar de Meu acompanha Eni e um grupo de mulheres de terceira idade de São Paulo que contratam esse serviço, de idades, experiência de vida e motivações diversas, embora os bailes sejam frequentados, em sua maioria, por mulheres brancas de classe média e alta. Elas são acompanhadas em casa, em suas vidas domésticas, e vistas nos bailes e em danças produzidas, exibindo seus passos, seus corpos, sua sensualidade.

O documentário conversa também com os rapazes que prestam esse serviço: em sua maioria jovens periféricos que têm metade da idade das contratantes. Eles falam sobre o que os levou a prestar esse serviço, e dos prós e contras da profissão, ainda bastante informal.

Um Par Pra Chamar de Meu tem, ainda, a participação da própria diretora, como observadora desse universo.

“Minha mãe foi a última a fazer parte do documentário. Por resistência minha, e não dela. Eu achei que nós brigaríamos, que ela desistiria na metade, muitas coisas passavam pela minha cabeça. Mas entendi que a minha resistência tinha a ver com meu olhar, como mulher mais nova, sobre ela e esse universo, e que tentar entendê-la era minha motivação central pra esse documentário”

A fotografia do filme é assinada por Carol Quintanilha, e Kelly destaca da parceria a sintonia para fazer o documentário filmado em apenas nove diárias. “Ela teve todos os desafios possíveis porque filmamos situações diferentes, entrevistas, bailes e danças produzidas com um orçamento apertado. Além disso, a Carol é muito curiosa e muito empática: todas as mulheres e todos os personais ficavam à vontade perto dela.”

Filmar as cenas de dança foi um desafio que obrigou Carol e Kelly a encontrarem saídas criativas. “Eu queria imagens em movimento, que a Carol girasse ao redor dos pares de dança. Como tínhamos pouco equipamento, Carol sugeriu usarmos uma cadeira de rodas, o que criou uma situação curiosa: a fotógrafa sendo empurrada na cadeira de rodas enquanto as mulheres da terceira idade estavam de salto dançando seus tangos e boleros.”

O documentário foi editado por Matheus Tibira, que trouxe para a edição seu olhar sobre ritmo e a preocupação com o som, as danças e os silêncios da narrativa.

Como resultado, Um Par Pra Chamar de Meu busca mostrar como as mulheres mais velhas, inclusive quando têm privilégios sociais, são deixadas de lado na terceira idade – muitas vezes depois de uma vida negligenciando seus interesses pessoais ao casar e ter filhos. A diretora ressalta que as mulheres que contratam personal dancers estão contestando como podem esse sistema.

“Existe também uma camada desse documentário que é o encontro possível de pessoas muito diferentes. Esses pares de dança são formados entre mulheres mais velhas e privilegiadas, muitas vezes conservadoras, e homens mais jovens e em geral periféricos e, em alguns casos, progressistas. Como todo encontro, e especialmente todo encontro que é mediado por um acordo financeiro, pelo sistema capitalista, tem conflitos. Mas existe um encontro, existe aprendizado para ambos, e isso me parece interessante em anos de polarização extrema como os que estamos vivendo.”

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