Meu Querido Supermercado, documentário dirigido por Talil Yankelevich e exibido na edição online do festival É Tudo Verdade, começa com uma pergunta feita pelo supervisor de armazém, que também poderia ser feita por uma parte do público: qual o motivo de fazer um filme em um supermercado? O próprio supervisor responde a si mesmo dizendo que talvez somente sua esposa e filho tenham interesse em assistir. Mas será que isso é verdade?

O filme se passa totalmente dentro de um único supermercado durante um certo período de tempo, que não é mencionado, e se foca única e exclusivamente em seus funcionários: eles são o objeto de estudo do longa; os clientes são como fantasmas que vão e vem, quase sem rostos – e aqui o diretor traça um paralelo com um momento da narrativa no qual os funcionários comentam sobre a possibilidade do local ser assombrado.

O documentário se divide em alguns personagens: o supervisor de armazém; a segurança que vigia através das câmeras; o atendente de caixa solitário; o padeiro nerd; a dupla que atende no balcão de frios.

O filme tenta construir a partir do olhar dos funcionários do supermercado a reflexão de que estamos todos presos a uma rotina a qual aceitamos passivamente. Alguns funcionários tem sonhos, que são mostrados a partir de imagens, porém não são explicitados.

Outro ponto refletido pelo filme é sobre como alguns funcionários repetem sua rotina de trabalho em seus momentos de folga. A segurança, por exemplo, assiste todos os filmes e séries de tv possíveis sobre investigação e crime; o supervisor se diverte com jogos de computador que são bem similares ao seu trabalho em termos de logística.

Os personagens que talvez sejam os mais explorados no documentário são a dupla que atende no balcão de frios: um rapaz que estuda de forma autodidata e uma moça muito introspectiva. O diretor tenta construir através dessa dupla um clima de romance entre pessoas que trabalham juntas mas que não se declaram uma para a outra, e que também são de mundos diferentes. A câmera enquadra a moça enquanto ela escuta uma conversa do rapaz com outra funcionária (que parece ser um certo flerte) e mostra como ela atrapalha propositalmente o clima entre os dois, chamando o rapaz de volta ao trabalho. Em outro momento, perguntada se nutre sentimentos pelo rapaz a moça nega e em seguida, com um olhar de quem gostou da pergunta, ela questiona a equipe do filme se haviam escutado rumores sobre o assunto.

O rapaz do balcão de frios aparece nas melhores cenas do filme: em dois momentos em que ele está dando uma explicação sobre a vida, quando está prestes a concluir a fala, ele se interrompe para atender clientes no balcão e, ao término do atendimento, retoma sua fala, como se tudo não passasse de um corte na filmagem, terminando a cena.

Já o padeiro nerd é retratado através do clichê do rapaz novo, solitário, e que adora falar sobre animes e mangás. Ele mostra seu lado inocente e, muitas vezes, ingênuo, quando conversa com os outros funcionários sobre os personagens que adora. Algumas cenas do filme reproduzem sua fantasia, mostrando um pouco de sua alma e trazendo uma certa melancolia.

O atendente de caixa fala sobre a solidão que sente quando o supermercado está vazio e ele não tem clientes para atender, mostrando um pouco de sua inquietude e tristeza por não ter ninguém em sua vida. Seus momentos mais alegres são aqueles em que conta sobre os flertes que acontecem nos momentos em que troca olhares com alguma cliente.

A segurança que vigia as câmeras do supermercado conta do entusiasmo que tem pelo seu trabalho e como se sente realizada profissionalmente. Sua tristeza aparece ao falar sobre seu divórcio e de como seus filhos estão crescidos, mostrando que ela sente falta de alguém com quem repartir sua vida.

Sobre a questão apresentada pelo supervisor de armazém no início do documentário, após assistir a ele podemos afirmar que deve ser visto não apenas pelas famílias dos funcionários do supermercado, mas sim por todos aqueles que tem vontade de entender um pouco mais sobre a natureza humana e sobre a solidão do indivíduo quando ele é colocado na roda giratória que nunca para, na qual todos estamos inseridos dentro do sistema capitalista.

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