O ator Caco Ciocler mergulhou de cabeça na função de cineasta. Agora dirige seu terceiro longa-metragem, o documentário “O Melhor Lugar do Mundo É Aqui” que tem sua estreia mundial na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, na Mostra Brasil. Quem não está na cidade de São Paulo poderá acompanhar parte da programação online.  

A produção é de Diane Maia e Caco Ciocler com as produtoras Maya Filmes e Schfiguer Produções.

Caco Ciocler dirigiu “Esse Viver Ninguém Me Tira” que competiu nos Festivais de Gramado e Festival do Rio e ganhou o Prêmio de Melhor Documentário no Festival de Cinema Brasileiro de Los Angles (LABRFF) e também dirigiu o documentário “Partida” que teve uma extensa carreira em Festivais Internacionais e estreia em TVOD, a exibição no Canal Brasil e  em Plataformas renomadas como Cine Sesc Digital e na Amazon Prime Video. No exterior o filme recebeu os seguintes Prêmios:  de Melhor Documentário no 23º Festival de Málaga, Melhor Filme no 14º Fest Aruanda, Prêmio Especial do Juri de Melhor Filme, Melhor Som para Vasco Pimentel, Melhor Atriz para Georgette Fadel e Melhor Montagem para Tiago Marinho.

“O Melhor Lugar do Mundo é Agora” é um filme que utiliza da própria premissa da atuação, do jogo entre o real e a ficção, para imaginar um mundo em que o isolamento tornou a arte impossível e o artista, inútil. Por causa da Pandemia o isolamento se faz necessário, mas com isso cria impossibilidades para a realização de toda e qualquer obra audiovisual. O diretor conversa por vídeo com atores isolados que improvisam uma vivencia de desintoxicação dos longos anos de vida dedicados à farsa na qual foram levados a acreditar de que os sonho e a fantasia seriam um caminho possível para a transformação do mundo. É claro que a insistência cínica na tese da inutilidade da arte, acaba por provar (e provocar) sua antítese, gerando uma costura narrativa recheada de humor, dor, poesia e, portanto, transformação.

Em entrevista para o Cinema Para Sempre, Caco Ciocler conversou com Andréa Cursino sobre o filme.

CPS: – Eu gosto muito de documentário, Foi por isso que virei jornalista. Gostei muito da forma que você usou para o documentário.  

Caco Ciocler: – Que Bom! Já que você gosta de documentário, você viu que ele é um formato super careta, um formato antigo de documentários que só tem entrevistas, mas é de propósito. Na verdade, o filme fala sobre o fim do cinema e da fim arte. Não tem diretor de fotografia, não tem enquadramento. Acabou o cinema, acabou.

CPS: – Como nasceu esse projeto do documentário?

Caco Ciocler: –   Eu não sei se você chegou a ver “Partida” o documentário que fiz em 2018. Ele foi uma reação ao trauma que foi em 2018. Estava todo mundo apavorado, paralisado e eu falei não, preciso fazer alguma coisa e então eu fiz o Partida. Eu estou te contando isso porque esse filme foi mais ou menos por ai. Estávamos na Pandemia, no isolamento, as pessoas muito desesperadas, as pessoas sem saber o que iria acontecer. A classe apanhando muito e recebendo muitas ameaças, eu mesmo recebi muitas ameaças nas redes sociais, violentas e a gente nunca tinha passado por isso. Essa raiva e juntando com a pandemia que tudo parou. Foi um desespero geral e teve um acontecimento bastante significativo que foi o discurso do Roberto Alvim quando ele assumiu a Secretaria de Cultura. Roberto Alvim foi um grande amigo meu, trabalhamos anos juntos na companhia dele, e depois ele deu essa virada e não nos falamos mais. E ele aparece como Secretário de Cultura fazendo discurso com consideração nazista.       

CPS: -Tudo muito público e notório.

Caco Ciocler: – Naquele discurso ele fala em libertar a arte, libertar os artistas. Eu pensei: Gente, o que significa libertar os artistas? Quem está fazendo esse discurso se inspirou em símbolos nazistas o que seria esse “Libertar os artistas”? Se está falando em libertar seria libertar do que? Aí pensei nesse conceito de campos de desconcentração. É o oposto de campos de concentração. Pensei nessa brincadeira. É como os artistas tivessem sido forçados a serem artistas. É como se eles tivessem sido treinados à força a desenvolverem sua sensibilidade, a serem pessoas mais empáticas, mas como se isso fosse uma coisa ruim. Como se eles fossem forçados a isso. Essa foi a ideia. Então vou fazer um documentário via zoom porque a gente estava todo mundo isolado para falar isso, que a arte morreu, o cinema morreu, a arte morreu, o teatro morreu e os artistas não tem mais função e que finalmente eles resolveram dizer, revelar a que na verdade eles foram vítimas de um desses campos de desconcentração, dessa organização mundial, comunista e então vesti a carapuça dessas acusações que a gente estava sofrendo, que somos comunistas. E então vou brincar com isso.   

Então chamei uns atores, atores geniais que são colegas, ex-colegas e gente que eu gosto muito. Contei essa ideia e falei: Quero que vocês desenvolvam um personagem a partir dessa ideia, juntando as histórias pessoais com essa história ficcional que a gente está criando. Eu não quero saber o que vocês vão criar, a gente vai marcar uma entrevista, eu não sou mais o Caco, eu sou um documentarista e eu vou conhecer vocês através dessa entrevista como se fosse um documentário.

Então quando eu conversei com eles e quando eu gravei essas entrevistas eu não sabia o que vinha. Cada um entendeu essa provocação de uma maneira e desenvolveu uma história com um tom completamente diferente do outro, alguns eu nem consegui usar. Tem atores que entraram no filme, bons atores, excelentes atores, mas durante a entrevista eu ia sentindo mais ou menos o caminho de cada um e fui provocando através das perguntas como se eu fosse o entrevistador, caminhos que eu achava interessante.  Então essas entrevistas foi um grande jogo de improviso. Já com essa brincadeira entre o real e fisionual e depois o grande trabalho foi pegar esses exercícios todos, que eram 18, e tentar construir uma narrativa em comum que costurasse eles todos. Então o filme foi isso.

 

CPS: – Eu achei muito interessante e ele tem também uma desconstrução técnica. Porque se você está isolado não tem o que o cinema costuma ter. É a soma de todas as artes. Ninguém faz cinema sozinho. Tem sempre um grupo de pessoas fazendo tudo.

Caco Ciocler: – Isso!  E eu peguei essa frase do Bolsonaro que abre o filme, justamente por isso. É uma fala que ele apresenta “Não vou dar dinheiro pra fazer filme. Quer fazer filme, faz com dinheiro seu. Vende sua casa”.  Ou seja, uma pessoa que não o menor entendimento do que fazer um filme.

CPS: – Uma pessoa que não tem a menor noção de nada.

Caco Ciocler: – Uma pessoa que não tem o menor entendimento o que é fazer um filme. Então eu parti dessa premissa para dizer “Tá bom se é para fazer um filme, pede dinheiro emprestado pro vizinho, dá pra fazer esse filme, olha a merda! Não iluminador, não cenografia, não tem nada.

Ao mesmo tempo o que eu acho lindo no filme, é que, embora ele esteja brincando de falar que a arte morreu e que os atores não serve para nada. Eles nunca tiveram tão potentes. Como o filme é só dos atores, eu acho que a gente acaba entregando aos atores uma potência muito bonita. Então na verdade quando eu insisto na tese que a arte e os atores não servem para nada, estou reforçando a antítese disso. Olha que maravilha, porque a arte de fato não é para servir para nada. A arte é para outra coisa, não precisa servir no sentido de ter utilidade.

CPS: – Verdade!  Ela tem tantas utilidades.

Caco Ciocler: – Sim, ela tem um outro lugar de utilidade. Não é utilidade prática. E essa desconstrução deles, essa brincadeira deles que eles quebram, eu mesmo não sabia o que era verdade e o que não era. E eu achei interessante incluir isso na discussão. Porque coloca o espectador em outro lugar. Tudo isso é mentira? É verdade ou tanto faz?

CPS: – A gente vem da campanha desse sujeito (risos) que engraçado como as pessoas ficaram tão hipnotizadas. Ele nem mentiu, sempre falou que era contra a cultura, “Pra que vou dar dinheiro pra cultura, não serve para nada.  

Caco Ciocler: – Isso.

CPS: – Uma pessoa que não sabe nem a função que ele exerce e que a cultura é a identidade de um povo. Como que ele vai liderar uma nação que não tem o principal foco que é a identidade dela?

Caco Ciocler: – Exato.

CPS: – A partir daí se criaram muitas fake News. O filme faz esse paralelo muito bem do que os personagens estão falando, se é real ou não. Achei isso muito criativo, é aquela história que você trabalha com o que tem.

Caco Ciocler: – Nesse caso, o trabalhar com que tem, eu poderia ter feito um filme com o que eu tenho, mas eu acho que isso acabou sendo o assunto do filme.     

CPS: – Você mostrou que mesmo não tendo todo aquele aparato, conseguiu fazer um filme e a importância do filme é o conteúdo.

Caco Ciocler: – E a gente não vai parar.

CPS:- Exatamente! 

Caco Ciocler: – Eu fiquei muito tocado com os colegas e as colegas e quis fazer de fato uma homenagem com humor e inteligência. Eu acho muito triste por exemplo aquele personagem que o Danilo Grangheia trouxe, isolado e que fala: “Eu tô aqui me comunicando com meus gatos”. Tem pessoas que não conseguem se relacionar. Os atores não conseguem não se relacionar. E eles estavam presos em casa, uma tristeza, reforçando essa tese de que a gente está sozinho. A gente reforça a tese de que a gente não pode ficar sozinho. A gente não vai ficar sozinho.

CPS: – E aquele ator que improvisou no quarto dele um palco de teatro? Achei sensacional! Adoro pessoas criativas. Ele levantou a cama fez uma cochia, marcação de cena no chão, ele puxou uma cortina.

Caco Ciocler: – O Esio Magalhães é palhaço, ele é clown, e ele fez aquele quartinho para fazer vídeos. Ele começou a fazer uns vídeos de palhaço e as pessoas piraram. Aquilo é de verdade.

CPS: – Isso é o mais legal porque inspira as pessoas a fazer com que tem para não deixar a arte morrer.

Caco Ciocler: – Sim, mas tem que ter cuidado, e o filme acaba falando isso pelo avesso do avesso. É muito delicado isso. Fazer uma defesa de fazer com o que tem, eu acho que a gente tem que fazer com o que tem, que a gente não precisa de nada, e não é isso.

CPS: – Tem uma atriz que fala da Lei Rouanet

Caco Ciocler: – Luciana Paes.

CPS: – Sim, ela me lembrou muito dos discursos que ouvi no início que a Lei Rouanet era só para roubar. E a Lei não é isso. O que mostra muito uma função importante do filme, Um acorda! Ela mostra as pessoas que escutam uma coisa e não sabe de onde ouviu, e sabe se é verdade e passa para frente como se fosse verdade.  

Caco Ciocler: – Eu acho que esse é um filme que pedem uma conversa depois. Acho que ele suscita muitas questões, muita reflexão. Uma pena já soube que por causa da pandemia, geralmente tem debate depois da sessão, a gente não vai poder fazer. E é uma pena, porque eu acho que é um filme que pede mesmo. Ele dá corda para muita coisa.

CPS: – Assim que for permitido, vamos fazer então aqui no Rio uma exibição seguido de debate? Topa?

Caco Ciocler: – Vamos, claro! Vou conversar com a minha co-produtora.

CPS: –   Caco, muito obrigada pela entrevista e pelo filme! Muito sucesso!

Caco Ciocler: –  Obrigado!

 

P.S: Em Breve Crítica no Cinema Para Sempre.

 

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