Vamos fazer uma experiência? Eu vou colocar aqui embaixo o plot de uma história, e você precisa escrever a maior quantidade de filmes ou séries que se encaixam nessa descrição. OK? Preparada? Segue o plot.
Uma pá de gente privilegiada, insuportável, e, secretamente, perversa, enclausurada numa localização exótica, começa a ser assassinada por uma figura misteriosa. Irão os detetives amadores descobrir quem é o criminoso antes que eles mesmo se tornem as próximas vítimas?
Pronta? Valendo.
(…)
OK, tempo encerrado!
Então, quantos filmes e mesmo séries de TV têm essa estrutura? Uma baciada, né? E, engraçado, nos últimos tempos, parece que esse estilo de filme voltou à moda com tudo. Knives Out, as novas versões dos filmes do Poirot, a série Only Murders in the Building e até a queridinha do momento, White Lotus, seguem a mesma premissa de assassinatos na alta roda.
Mais do que simples murder mistery movies, as obras acima se encaixam também num gênero chamado Eat the Rich, inspirado pela frase de Rosseau: “Quando não houver o que comer, as pessoas comerão os ricos”. Buscam, assim, em maior ou menor grau, mostrar através de histórias detetivescas violentas como os ricos são monstros amorais que, se não merecem morrer, pelo menos deveriam se matar entre si.
A estrutura é bastante simples: um grupo de pessoas, sem valores éticos e que se odeia, se junta por uma razão qualquer num mesmo espaço físico; uma delas, em geral a pessoa mais detestável de todas, aparece morta; por acaso, um detetive, ou um grupo deles, está no local e começa a desvendar o mistério; pistas em abundância levantam suspeitas sobre todos; no fim, numa situação bem teatralizada, o crime, com muitas licenças à lógica, é esclarecido.
Esse modelo cartesiano, pseudo científico, e razoavelmente engessado acaba abrindo espaço para grandes momentos teatrais ou de metalinguagem, como fica bem evidente no clássico Os Sete Suspeitos, que adapta o velho jogo Detetive e tem 3 finais diferentes, ou no Only Murders in the Building, cujos protagonistas são artistas e interpretam os crimes ao seu bel prazer para produzir seu podcast, que é a linha condutora da história e principal referência estética.
Com alguma liberdade, podemos incluir Pânico nesse gênero por estar coalhado de referências dos filmes de psicopatas dos anos 80 e 90, e conduzir um mistério similar entre adolescentes bem de vida dos subúrbios da Califórnia, que, lembra?, se origina do comportamento sexual impróprio dos seus pais.
Essas características colocam normalmente essas obras no limiar do ridículo, com situações absurdas, atuações e personagens exageradas e deliberadamente canastronas, quase se transformando em sátiras, o que nos permite ter um pouco de empatia por todas as vítimas em potencial, por pior que elas sejam.
Isso gera um sentimento ambíguo no público pois os ricos sobreviventes acabam sempre tendo uma oportunidade de redenção. Por mais asquerosos e egoístas que tenham sido, quando confrontados com a morte, vivem um momento mágico de “vamos ser diferentes”. Em alguns filmes isso se concretiza, em outros, eles saem impunes justamente por se manterem alheios aos males do restante do mundo, presos em suas bolhas, sendo simplesmente aquilo que “nasceram” para ser, uma marca, por enquanto, dos finais de temporada de White Lotus.
Seja como for, o prazer do filme Eat the Rich pode vir da sua natureza campy ou do seu valor como crítica social, mas, com certeza, sempre vai voltar aos holofotes quando a desigualdade no mundo ficar mais exacerbada. Afinal, se não dá pra vencer os ricos, pelo menos podemos nos divertir com as suas desgraças, mesmo que sejam ficcionais.
White Lótus é bom demais, como tem gente que não gostou? Rico safado se lascando o tempo todo que delícia
— Anne Mendes (@MendesAnne) December 26, 2022
Para assistir e se alimentar dos ricos:
Only Murders in the Building, Morte no Nilo e Assassinato no Expresso do Oriente –Star+
Knives Out e Knives Out: Glass Onion – Netlix
White Lotus – HBO Max
Pânico – Paramount. Globo Play e NOW
Os 7 Suspeitos – Microsoft e Apple TV (aluguel)
