A primeira vez que acompanhei o Oscar foi em 1985. Não sei por que, mas, naquele ano, eu estava fazendo uma torcida ferrenha por Ghostbusters. Coisa de moleque. Lembro de ficar a noite toda acordado, tenso com a performance pouco usual de Ray Parker Jr., e creditar a ela termos perdido o Oscar de melhor Canção para A Dama de Vermelho. Na época, não sabia como a Academia funcionava. Coisa de moleque.

Em 1989 a minha relação começou a ficar mais séria por conta de Acusados. Assisti ao filme com um bando do colégio, como era comum na época, e, na saída do cinema, resolvemos apostar se Jodie Foster iria levar o prêmio de melhor atriz. 5 coca-colas de máquina eram o prêmio. Comprometido, assisti a toda a cerimônia e vibrei quando Jodie ganhou. Quer dizer, ganhamos.

E tudo começou com Jodie…

No ano seguinte, a galera do colégio, animada com essa primeira experiência, resolveu assistir ao evento junta. Na época o Oscar rolava na segunda de noite e se estendia quase até o sol raiar, mas como a gente estudava à tarde não foi um grande problema.

Assistimos aos filmes, mais para fazer bonito na aposta do que por amor à sétima arte, e, mesmo sem grandes destaques, além da apresentação de Billy Crystal, nasceu uma tradição; e o nosso ódio à Academia. Provavelmente pela esnobada que Faça a Coisa Certa levou, enquanto o “conformado” Conduzindo Miss Daisy foi exaltado.

O nosso evento se firmou, e o nosso amor e ódio ao Oscar cresceram. Vibramos com
a vitória expressiva de O Silêncio dos Inocentes sobre Bugsy, favorito do ano mas hoje totalmente esquecido; sofremos com as vitórias de Marisa Tomei, Anna Paquin e, especialmente, Gwyneth Paltrow, que concorriam com atrizes claramente melhores, como Fernanda Montenegro; achamos lamentáveis os Oscars pra Pacino por Perfume de Mulher, pela conotação de prêmio de consolação, e pra Roberto Benigni, pelo conjunto da obra; e, no auge do cinema independente dos anos 90, fomos obrigados a assistir Titanic e Dança com Lobos ganharem o prêmio de Melhor Filme, enquanto Pulp Fiction, Os Bons Companheiros e Fargo foram esquecidos.

O Oscar para nós, mais que um prêmio da indústria, era um momento em que reafirmávamos e testávamos nossas preferências estéticas. Mesmo sem querer, isso sempre gerava uma bruta ansiedade por conta do desejo de termos nossas opiniões confirmadas por uma organização que sabíamos ser anacrônica e comercial. Mais do que apostar e querer ganhar o nosso bolão, assistir ao Oscar era promover uma discussão sobre o que tem valor de fato e, portanto, merece posteridade na sétima arte.

Os anos 2000 chegaram e, depois da incrível safra de 1999, as coisas começaram a esfriar. Os filmes já não nos mobilizavam tanto, e os amigos que se reuniam para a festa começaram a se distanciar por conta da vida. Mantivemos os encontros e o nosso interesse vivos por aparelhos, sensação, essa, também compartilhada pelo restante do mundo.

A Academia, em vez de reafirmar o seu papel de casa de espelhos, às vezes refletindo os nossos gostos, às vezes os distorcendo, sentindo a queda de audiência, seguiu a estratégia de querer agradar mais gente. Aumentaram a quantidade de filmes em algumas categorias, criaram outras, diminuíram a duração, limaram os números musicais e depois voltaram com eles, testaram diversos apresentadores e formatos sem graça; tudo pra tornar a premiação mais a cara do público médio mundial, seja lá o que isso for.

Me parece que a Academia esqueceu que seu papel, na verdade, não é agradar ao público de cinema, mas dialogar com ele. Antigamente, até as suas escolhas ruins eram interessantes como forma de provocação e geravam afeto, seja ele negativo ou positivo, o que nos fazia amar ainda mais o cinema.

Com o passar dos anos, acabamos parando de assistir ao Oscar como uma família de cinéfilos, e o evento, antes tão vital, se tornou apenas uma lembrança doce e amarga da nossa juventude e de tempos melhores no cinema.

Depois desses dois anos pandêmicos a situação piorou. O cinema se misturou com as ofertas do streaming, a Academia começou a tentar se encaixar num modelo novo, como eu tentando usar as gírias dos jovens de hoje, mas não ficou nem cá nem lá.

Eu e o Oscar tentando nos enturmar com as novas gerações

E olha que não credito essa decadência lenta e ao mesmo tempo repentina à pandemia, ao streaming, nem à tétrica condução de James Franco e Anne Hathaway em 2011, mas à perda da sua identidade numa busca insana por popularidade pela qual acabou pagando com a sua relevância.

Nesse domingo, provavelmente assistirei ao evento, como quem tenta mais uma vez resgatar um relacionamento que não tem salvação. Por todas as razões que listei acima, acho que nunca mais odiarei, ou amarei, o Oscar como antes. A Academia destruiu a nossa relação ao pasteurizar a emoção que eu sentia, numa tentativa inútil de ser amada por todos. A Academia, por falta de palavra melhor, me traiu e, no processo, me tornou indiferente a ela.

Nesse domingo, mesmo sem esperanças, vou dar mais uma chance, torcendo que o amor e o ódio que eu sentia pelo Oscar retornem. E tomara que eles me façam passar bastante raiva, afinal, vocês sabem: o contrário do amor não é o ódio, mas a indiferença.

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