Sem Destino (Easy Rider) / Eua, 1969. 95 min. / Direção: Dennis Hopper / Com: Peter Fonda, Dennis Hooper, Jack Nicholson

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Em 1969 os Eua (e o mundo) viviam sob um tremendo limbo social demarcado por uma guerra insana (Vietnam) onde forçavam seus cidadãos a se perguntarem, constantemente, que posição deveriam tomar. Cansados de tanta luta, a juventude ansiava por uma nova condição conquistada através de viagens lisérgicas, adotando uma postura de total liberdade sexual. Foi o auge dos Beatles, da chegada do homem na lua, do festival de Woodstock (da geração Flower Power) e do amor livre.

“Sem Destino” (Easy Rider) veio, então, confirmar a determinação de que era necessário mudar o mundo, em especial, a ideologia cinematográfica norte americana ultraconservadora. (É bom lembrar que, no mesmo período, “Perdidos na Noite” (Midnight Cowboy) de John Schlesinger falava do mesmo choque cultural, embora com abordagens bem diferentes.)

Feito com pouco dinheiro o filme abriu um estilo não muito explorado no cinema da época: os de filmes de estrada (Road movies). Idealizado como um western sobre motos, o filme fez um corte marcante nas fronteiras do cinema em geral afetando toda uma geração de diretores/ atores e produtores. Há uma cena, logo no início, que revela claramente esta intenção: Enquanto o fazendeiro ferra seu cavalo, vemos ao fundo os dois jovens trocando o pneu avariado de sua moto com a bandeira americana estampada no tanque. Nesta sequencia, altamente significativa, percebemos claramente o paradigma entre a nova face de uma sociedade repleta de anseios contrastando com os antigos e tacanhos valores da outra. Além disso, os personagens principais têm o mesmo nome de duas famosas lendas do oeste americano (o xerife Wyatt Earp e fora da lei Billy the Kid) o que só faz afirmar esta consciência ideológica.

Dennis Hopper e Peter Fonda foram os grandes responsáveis (assim como Terry Southern que ajudou no roteiro) por esta experiência cinematográfica que marcou toda uma geração. Jack Nicholson, também soube beneficiar-se catapultando sua carreira a níveis internacionais, com seu emblemático sorrisinho cínico e infantil.
Durante as filmagens, todos admitiram usar drogas, acentuando ainda mais a afirmação do movimento hippie e da contracultura.


Visto hoje em dia, “Sem Destino” ainda reserva um estranho sabor de liberdade mal aproveitada. O filme toca-nos profundamente, talvez, pela condição de falar sobre um dos arquétipos humanos mais reprimidos: o do aventureiro. Sair sem destino, sem lenço, nem documento, pelas estradas afora sentindo o vento no rosto, dormindo ao relento sob as estrelas, nadando nu e curtindo o aqui e agora; é a expressão máxima da impossível liberdade humana. Com uma maravilhosa fotografia do mestre László Kovacs (falecido em 2007) que tira partido das texturas cromáticas, em especial nas cenas em Nova Orleans, o filme consegue transmitir uma sensação inigualável de independência e ilegítima moral.

Há um plano sequência nos rostos dos participantes de uma comunidade hippie que filosofa o tempo todo com esta maneira de viver e questiona uma sociedade altamente hipócrita atingindo o ápice de uma forma pungente e bastante cruel em seu final. Afinal quem é a vítima e quem é o algoz?

“Sem Destino” pode não responder estas perguntas, mas certamente será sempre lembrado como um dos representantes máximos de uma mudança que Hollywood, até hoje, se beneficia.

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Zeca Seabra – Cinéfilo carioca com formação em Comunicação Social pela Puc em 1980 e em Hotelaria pela Estácio de Sá em 1983. A partir de 1995 participou de vários cursos e em 2006 começou escrevendo textos críticos para o blog paulista “Cinema com Pipoca”, um dos primeiros a tratar do assunto. Desde 2010 participa de debates e encontros com textos já publicados em catálogos de mostras especializadas. Em 2016 participou da oficina crítica cinematográfica com o renomado crítico francês Jean-Michel Frodon. É membro da ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro) desde 2013 e crítico do site Almanaque Virtual.

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