No longa de Natalia Almada, quando vemos uma senhora, Dona Flor, que mora sozinha e trabalha num escritório do governo, de início já sentimos sua solidão. Inspirado na ideia da filósofa Hannah Arendt, que classificava a burocracia entre as piores violências, vemos uma protagonista amarga e só. A atuação de Adriana Barraza está admirável, percebemos sua dor e seu sofrimento de vida camuflados por baixo de suas feições sérias, seu jeito formal e suas roupas discretas.

A mais de trinta anos ela cumpre suas tarefas de burocrata atendendo pessoas aborrecidas com a lentidão e regras incoerentes do sistema. Sua única companhia é um gato, que a acompanha fielmente nos momentos em que ela está em casa. Mesmo quando sai do trabalho ela continua ligada ao que faz, sua única ocupação da vida, mesmo sendo uma tarefa burocrática e tediosa, ela anota em ordem cronológica todos os atendimentos do dia, é como se essas pessoas, verdadeiros desconhecidos que não se importam com ela, fossem sua ligação com o mundo real. Apesar de sua solidão, ela não cria vínculos com o mundo que a cerca, vive numa vida de isolamento e tristeza.

Num determinado dia seu gato morre e sua reação é espantosamente de ir trabalhar como se nada tivesse acontecido, ela “não pode” deixar de ir, ela depende da conexão superficial que tem com aqueles desconhecidos, como se isso fosse o que tem lhe desse força para viver. Contudo a morte de seu único companheiro à abala de forma permanente. Dona Flor simplesmente não sabe mais como voltar a rotina que já era sua zona de conforto, por mais que triste e melancólica, ela já estava acostumada com aquilo, agora precisa de alguma maneira aprender a superar a perda.

Suas ações são mecânicas e repetitivas, que reproduzem uma tristeza e a forma sistemática que ela estabeleceu sua vida. Algumas cenas são bem marcantes e mostram seu desespero por atenção e por precisar estar perto daquelas pessoas, como quando há um pequeno terremoto e todos saem correndo do prédio de seu trabalho, e Dona Flor continua sentada em sua cadeira, como se pacientemente esperasse que a vida voltasse ao normal, mas não há mais ninguém ali; ou quando numa determinada cena, já após a morte de seu gato, durante um atendimento, o homem não está lhe dando a atenção que ela gostaria e propositalmente ela diz que não poderá ajudá-lo com o atendimento, ele teria que voltar outro dia, mas era claramente por se sentir preterida que ela o faz, ele se descontrola e grita com ela, e sua única reação é a de retocar o batom e arrumar o cabelo (mania que ela repete incansavelmente) antes de chamar a próxima pessoa.

A solidão de Dona Flor é tão profunda e tão bem representada que é possível sentir o peito apertar de forte que é a empatia que a personagem gera. Um filme que faz pensar sobre a razão das relações humanas e sua importância em nossa significação quanto sujeito, como a solidão pode ser algo corrosivo para alma, como um trabalho maçante e sem prazer, numa vida sem muito significado pode tornar alguém em um ser sem uma visão de futuro ou felicidade, que tem uma enorme dificuldade em saber como tentar sem menos infeliz. Um longa sobre as relações humanas e um belo retrato sobre a solidão.

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