Três lançamentos nada atuais nos serviços de Streaming que vale a pena conferir.

Festim Diabólico (1948)

Quando a gente analisa a filmografia de Hitchcock, o que geralmente salta à vista são as loiras. Kim Novak, Eva Marie Saint, Janet Leigh, Grace Kelly e Tippi Hedren são, aparentemente, a prova de uma obsessão de Hitch. Mas, como tudo em seus filmes, pode ser uma pista falsa. Em sua obra há colaborações muito mais consistentes e recorrentes como, por exemplo, a com James “Jimmy” Stewart, que deveriam merecer a nossa atenção.

Jimmy Stewart, normalmente associado à imagem do bom moço da América idealizada de Frank Capra, num período de 10 anos, fez 4 filmes com Hitchcock, sendo que 3, pelo menos na minha opinião, são grandes obras primas. O engraçado é que essa transição de Jimmy parece uma transição dos próprios Estados Unidos. Nas décadas de 1930 e 40 ele era o exemplo de carne e osso do americano ideal pintado por Norman Rockwell; nos 50 ele se torna o homem de meia idade amargurado, solitário e cheio de problemas psicológicos; e, após isso, nos 60, ele ainda tem uma colaboração com John Ford, em westerns revisionistas que questionam o caráter dos heróis americanos.

A primeira colaboração entre Jimmy e Hitchcock foi em Festim Diabólico, na época, um marco técnico. Filmado em 10 segmentos de menos de 10 minutos, gera a impressão de ser um plano sequência. Não é, mas engana muito bem. E fica perfeito para o seu propósito, cá entre nós, teatro filmado, o que em nada desmerece o filme.

A história é genial. Um casal de amigos, para provar a sua superioridade intelectual, assassina um terceiro e oferece um jantar sobre o baú onde o corpo está escondido. Para esse Festim Diabólico, adoro esses títulos antigos, eles convidam a namorada da vítima, seu pai e sua tia, e o professor e mentor intelectual, interpretado por Jimmy, que eles planejam impressionar com seu assassinato artístico.

É uma falação só, do jeito que eu gosto, mas as atuações são impecáveis, o trabalho de câmera genial e o tema, infelizmente, ainda relevante nos dias de hoje. Um clássico.

Indicação: Para quem precisa rever seus conceitos a respeito do Ubermensch de Nietzsche.

Onde assistir: Telecine Play.

Janela Indiscreta (1954)

Eu sei que Um Corpo que Cai é considerada a obra mais psicanálitica de Hitchcock, mas Janela Indiscreta, mesmo mais sutil no seu simbolismo, não deixaria Freud desapontado.

Jimmy, em sua segunda colaboração com Hitchcock, interpreta “Jeff” Jefferies, um fotógrafo com medo de compromisso, que está impotent… quer dizer, preso a uma cadeira de rodas, após um acidente. Continuamente ele é visitado pela sua bela e desprezada noiva, Lisa Freemont, uma socialite interpretada diafanamente por Grace Kelly. Sob pressão, ele começa a olhar pela janela dos fundos e ver em seus vizinhos seus medos e fantasias a respeito do casamento. O casal recém casado que vive numa literal lua de mel; os velhinhos que cuidam dos cães como filhos; o medo de perder a oportunidade de sair com beldades como Miss Torso, ou o terror de se tornar um solitário como MIss Lonely Hearts ou o pianista alcóolatra. Até que suas fantasias chegam ao ápice quando imagina(?) ter descoberto um assassinato. O título em inglês diz tudo: Rear Window. A janela é para o interior de Jeff.

Me lembro de ver esse filme aos 10 anos de idade, motivado por um artigo na falecida Cinemim, e pensado: “Isso, sim, é cinema”. Até hoje, 35 anos depois, a impressão permanece a mesma.

Com um tema aparentemente banal e recursos limitados narrativamente pela impotênci… quer dizer, imobilidade do protagonista, Hitchcock construiu não só um belo suspense, mas uma profunda e, ao mesmo tempo, divertida análise do homem com medo de se comprometer emocionalmente.

Saudades desse tipo de cinema, onde o espetáculo se passava na nossa mente e não precisava ser motivado por um exagero de CGI.

Indicação: Pra quem não consegue entender como a personagem de Jimmy Stewart podia resistir a assumir um relacionamento com a personagem de Grace Kelly. Pera lá… ah, eu entendi…

Onde assistir: Google Play e ITunes (aluguel e compra).

Um Corpo que cai (1958)

Quando começaram a fazer lista de tudo nos anos 90, lembro que Vertigo, o seu título original, vinha sempre em segundo, atrás de Cidadão Kane, no rol de melhores filmes do mundo. Eu achava justo. Mesmo preferindo Vertigo, me agradava não ser do time do número 1. Pode parecer besteira, mas é difícil não ter uma relação visceral com essa obra, e, talvez, por ciúme, eu gostasse de manter a ilusão de ser algo só pra mim. O que, óbvio, não é.

Nessa última colaboração de Jimmy com Hitchcock, ele interpreta um policial aposentado com medo de altura que é contratado para vigiar a esposa de um colega de colégio que está pirando por conta de uma suposta reencarnação. Por conta da sua acrofobia, ele não consegue impedi-la de se matar, o que lhe faz sofrer de uma crise nervosa. Quando parece que ele está começando a se recuperar, ele esbarra numa mulher idêntica àquela que ele não conseguiu salvar.

É um tour de force. As cenas são fortes e significativas; as cores não só pontuam a narrativa como a conduzem; a técnica para gerar a sensação de vertigem é impecável; e, mais uma vez, o roteiro brlhantemente consegue unir a “mundana” investigação policial à profunda questão de um homem que, mais uma vez, resiste ao compromisso por estar obcecado com uma fantasia totalmente irreal.

Os clássicos não clássicos à toa. Não importa sua posição em listas, suas bilheterias ou popularidade. Eles são lembrados e reverenciados pois conseguem com muita verdade falar sobre quem somos como seres humanos. E Um Corpo que Cai faz isso com maestria.

Indicação: Pra nos lembrar de que o cinema é, ou deveria ser, uma manifestação em luz e som do nosso inconsciente.

Onde assistir: Telecine Play.

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