AS CINEASTAS DO FANTÁSTICO. Por Filippo Pitanga
Hoje vamos falar sobre outra das cineastas precursoras da estética do terror na representatividade feminina nas telonas, apesar de muito pouco lembrada: Amy Holden Jones, responsável pelo slasher “The Slumber Party Massacre” (“Massacre na Festa do Pijama” ou simplesmente “O Massacre”, 1982), que viria a se tornar um cult B até com sequências e outros filmes derivados!
Em primeiro lugar, não confundir com “Slumber Party”, videoclipe de Britney Spears que brinca com o erotismo associado a essa cosmologia como background para danças sensuais com suas dançarinas… Mas é interessante pensar nos quesitos de simbologias e ritmos para entender o sucesso deste filme B em particular.
O curioso é que a diretora do primeiro filme da franquia, Amy Holden Jones, é casada com o famoso diretor de fotografia Michael Chapman, que vinha de alguns filmes documentais em meio a seus dois projetos que lhe tornaram mais famoso: “Taxi Driver” (1976) e “Touro Indomável” (1980), ambos dirigidos pelo mestre Martin Scorsese. E isso é curioso porque Chapman queria investir uma estética documental em ambos clássicos supramencionados, mas o próprio Scorsese foi quem o convenceu a usar elementos do cinema de gênero na fotografia dos respectivos filmes. Em “Taxi Driver”, Nova York teve os acréscimos estéticos das ruas molhadas e sempre úmidas, da fumaça saindo dos bueiros e becos, dando uma impressão de misteriosa e noir, bem como iluminada por um caleidoscópio de luzes de neon dos letreiros de rua… Dando um ar distópico e psicótico às corridas do taxista Travis Bickle (Robert De Niro). E a fotografia em P&B de “Touro Indomável” ganhou super closes nas cenas de luta, com muita câmera lenta e efeito esfumaçado, o que na verdade quase dava um ar onírico/vertiginoso à crueza dos jorros de sangue…
O tom quase fantasioso foi acatado a contragosto por Chapman, que, inclusive, teve uma cisão com o então amigo Scorsese, e só voltariam a fazer as pazes anos depois. Mas foi o suficiente para fazer o sucesso da carreira de Chapman, com blockbusters subsequentes como “O Fugitivo” de Andrew Davis (1993), só por causa dos elementos de cinema de gênero que Scorsese insistiu, e que viriam a ser copiados à exaustão em reverência aos 2 clássicos. Enquanto que, inversamente proporcional, sua esposa Amy Jones, que abraçou completamente o cinema de gênero desde o princípio, como com um trabalho assumidamente de terror do nível de “The Slumber Party Massacre”, acabou sendo marcada e categorizada de tal forma que não conseguiu expandir sua carreira – um padrão de receptividade equivocada que o cinema de gênero costuma receber na história, ainda mais quando se era uma diretora mulher no meio de um mercado dominado ainda por homens.
Mas para falar sobre o diferencial do que Jones contribuiu precisamos falar da roteirista do filme: Rita Mae Brown (coescrito pela própria Amy Jones, que não foi creditada). Rita havia concebido o filme como uma paródia ao sucesso dos slashers movies (filmes de assassinos seriais que matavam suas vítimas com armas brancas, ou seja, cortantes = “slasher”). E o subgênero do terror estava bem popular naquela época, herdando a força do Giallo (outro subgênero entre o cinema policial e o slasher muito realizado no território italiano). Nesta seara, o sanguinolento alvo principal dos psicopatas eram mulheres imersas em erotismo exacerbado, muito por causa do fim da rigidez exagerada da censura daquela época, e munidos de um tom subversivo ante o novo crescimento do conservadorismo pós era hippie. Portanto, se você tinha duas mulheres em posições criativas tão importantes quanto roteiro e direção neste projeto, evidente que elas iriam subverter a ordem das coisas…
Rita Mae Brown queria uma paródia dos slashers… Afinal, imaginar, mesmo que na ficção, uma casa cheia de mulheres seminuas numa festa de pijama virando alvos indefesos perante um serial killer era ridículo até para aquela época. E havia já no período alguns filmes de vingança em que as protagonistas femininas davam o troco nos homens abusivos que esses filmes representavam, como “I Spit on Your Grave” de Meir Zarchi (“A Vingança de Jennifer” de 1978) – clássico que viria a ganhar remake e sequências já no novo milênio de 2000. Mas os produtores achavam que havia muito potencial comercial em simplesmente repetir a fórmula das belas jovens “indefesas” que são perseguidas uma a uma durante todo o filme…
O diferencial, já que o tom de paródia foi descartado, é que tanto Brown quanto Jones entenderam o quão ridículo este homem fraco e impotente seria, alguém que só consegue interagir com mulheres se tiver uma furadeira no lugar de falo. Pior, alguém sem motivação… Um psicopata produto desta sociedade, que explicita seu ridículo e do seu meio apenas por caminhar por aí de forma aberrante! E assim a roteirista e diretora foram colocando vários pequenos signos de desconstrução do gênero: nenhuma das mulheres têm sua morte completamente explicitada como a dos personagens masculinos, que morrem com requintes de crueldade bem mais exagerado do que as mulheres – valendo menção honrosa para uma das melhores cenas do filme, muito usada até no trailer e espoilando um pouco a história, que é a de uma das vítimas escondida na geladeira, o que será descoberto, enfim, pelo outro núcleo da história que até então estava à parte dos assassinatos da casa principal.
Outra coisa é o fato de o assassino ser caracterizado de forma aparentemente ordinária: jeans surrada, camiseta vermelha e bem chamativa…e o rosto à plena luz desde a primeira morte. Não existe máscara para esse ser. Nós o conhecemos: ele pode ser seu vizinho, pode até ser da sua família… Um ser abjeto, mas comum, que não tem um mito fundador. É alguém que a sociedade é culpada por deixar impune e livre, assim como no filme: só sabemos nas primeiras cenas por manchetes de jornais amassados que um serial killer fugiu do hospício – só isso. E não há nenhuma autoridade nem representação institucional presentes no filme quase inteiro. Os pais quase não aparecem, pois eles são parte da doença que acomete essa sociedade de adultos que preferem varrer o que não se encaixa para debaixo do tapete. E, por fim, são as mulheres enfim reunidas quem dão conta dele. Só a união das mulheres para além das diferenças e competitividades superficiais criadas pelo meio que pode libertá-las.
A roteirista Rita Mae Brown demonstraria interesse no cinema feito por e sobre mulheres, roteirizando o documentário “Mary Pickford: A Life on Film” (1997), sobre a ícone da comédia que rivalizou com Chaplin na gênese do cinema… E ainda faria ainda outros trabalhos de gênero, como para a série “Contos da Cripta” (1992), onde as mulheres do terror acabavam desaguando (como foi o caso também da diretora Mary Lambert, de “Cemitério Maldito”, objeto de nossa coluna há 2 semanas). E nem as próprias sequências de seus filmes de terror costumam lhes ser dadas, assim como aconteceu igualmente com “The Slumber Party 2”, cuja única diferença é ter substituído a furadeira como instrumento de morte por uma guitarra (o falo geracional mudou para algo mais pop e ainda mais absurdo que refletisse a geração MTV).
Enquanto isso, a diretora Amy Jones viraria quase predominantemente roteirista, escrevendo, por exemplo, um grande sucesso com pegada ainda no espectro do cinema de gênero, o thriller levemente erótico “Proposta Indecente” de Adrian Lyne (1993); E escreveria algumas séries de gênero como “Black Box: Armadilhas da Mente” (2014) e “The Resident” (2018). Além de ter escrito todos os roteiros da franquia canina “Beethoven: O Magnífico”, série de filmes com um cachorro São Bernardo como protagonista que serviu de introdução a outro tipo de universo fantástico para muitas crianças.
Confiram o grande filme da diretora, “The Slumber Party Massacre”:
Filippo Pitanga é advogado, jornalista, curador e crítico de cinema, mestrando pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor na Academia Internacional de Cinema RJ, Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro – ACCRJ

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