AS CINEASTAS DO FANTÁSTICO. Por Filippo Pitanga

Forugh Farrokhzad (1935–1967) não foi apenas uma das poetas mais importantes do século XX no Irã, como foi também uma das precursoras do Cinema Novo Iraniano.

Mesmo tendo feito apenas um único filme de 22 minutos chamado “The House is Black” (“Khaneh siah ast”) em 1963, e tendo morrido logo depois em 1967 com apenas 32 anos, num acidente de carro que gerou inúmeras teorias conspiratórias, Forugh deixou um legado gigantesco no Irã e no mundo.

“Nós que estamos no inferno, rogamos o Seu Nome” (frase retirada do filme “The House is Black”)

Seria a lei feita para todos? E a Lei Divina? Há excluídos da benção e do perdão? Da clemência e da compreensão? Há pessoas excluídas de um padrão socialmente aceito que são rejeitadas a tal ponto do isolamento e de se tornarem párias? Sem piedade ou compaixão? Por quê? Seriam monstros os rejeitados ou aqueles que os rejeitam?

Estas perguntas já foram feitas por muitos filmes do fantástico, de terror e fantasia, e já nos apresentaram vários personagens famosos por nos gerar empatia, independente da monstruosidade com que são tratados… “Frankenstein” (1931), King Kong (1933/1976/2005), “O Corcunda de Notre Dame” (1939/1996), “O Monstro da Lagoa Negra” (1954), “O Homem Elefante (1980)… Muitas criaturas já sofreram de perseguição por serem incompreendidas. A maioria fruto da imaginação ficcional, com alguns casos inspirados em fatos reais, como John Merrick, o Homem Elefante.

Na posição de uma mulher e autora de vanguarda no Irã, ao mostrar a imagem que pensamos ver torta na sociedade, Forugh nos mostrou que a distorção se encontra é nos olhos de quem vê, e que um filme pode ser um espelho crítico de nós mesmos, espectadores.

Ao ambientar seu filme num retiro de pacientes com hanseníase (ou, como é mais conhecida, a “lepra”), Forugh constrói que a diferença ao ser isolada se torna o padrão e, mesmo quando eles próprios oram como se estivessem no inferno, o inferno, nas palavras de Sartre, são os outros. Seria um documentário onírico? Seria uma obra de ficção, cujo pano de fundo apenas empresta imagem para seu texto, seus poemas e a rotina daqueles que ali estão exilados por sua condição? Aqueles rostos que sentem, choram, riem, e que, por não refletirem um padrão, são tratados como uma desfiguração da expectativa hegemônica. Um filme que por muito tempo foi bastante temido por públicos que não assumiam o quanto a aflição no diferente é sua própria rejeição e intolerância no lugar de espectador. O terror somos nós, aqueles que julgamos e não cuidamos.

Poeta famosa por inserir o coloquial em algumas das composições métricas mais elogiadas em persa, Forugh tanbém tece sua narrativa audiovisual a partir da rotina comum, demostrando que as coisas mais ordinárias (e aquilo do mais simples que talvez possamos ser privados), quando sob um olhar microscópico, representam os maiores mistérios da vida. Os toques de fantástico que prescindem de explicação no mundano, porque às vezes as coisas mais rotineiras sob nosso olhar diário são aquelas mais mágicas. Como a poesia do sol atravessando a janela de casa e iluminando a sala de estar… Ou o ato de uma folha cair da árvore sob a placidez da água e formar ondas circulares em sua superfície.

O verdadeiro cerne atroz reside na segregação e incompreensão das diferenças como partes do bem comum. De tratar condições clínicas como aberrantes, mesmo quando a cultura moderna já desmistificou e tratou de preconceitos equivocados como a incurabilidade que sempre foi associada à hanseníase. — Tanto que já há até filmes mais recentes que ampliaram essa influência de Forugh com o lirismo e a naturalização de uma tentativa em se reaproximar da hanseníase através de olhares lúdicos: Como o filme “Yomeddine” de A. B. Shawky (2018), contado a partir do olhar de encantamento de uma criança com seu melhor amigo, independente da condição de saúde que ainda intimida algumas pessoas pela ignorância. Ou mesmo “Sabor da Vida” de Naomi Kawase (2015), que aproveita a estética temporal das árvores de cerejeiras para juntar ainda a gastronomia na superação do preconceito.

O filme “The House is Black” foi extremamente vanguardista para 1963, denunciando o outro lado, o da intolerância para com aquilo que não se compreende, porém, ao mesmo tempo, ao demonstrar carinho e cuidado que humanizam as diferenças. Algo que só aparecia de forma maniqueísta até então em filmes como “Ben-Hur” (1959).

Confira o filme aqui:

https://youtu.be/cpZ9stU_O7E

Filippo Pitanga é advogado, jornalista, curador e crítico de cinema, mestrando pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor na Academia Internacional de Cinema RJ, Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro – ACCRJ

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