Três lançamentos nada atuais nos serviços de Streaming que vale a pena conferir.

O Sobreviente (1987)

Um dos problemas de viver muito, ou, pelo menos, mais, é assistir o futuro virar o passado. Quem foi vítima da enxurrada de filmes de ficção científica dos anos 80 tem essa sensação com mais clareza. Boa parte das promessas, boas ou ruins, para o futuro recente, o tal início do século XXI, não se cumpriu ou aconteceu de forma diferente do que é mostrado nos filmes. O Sobrevivente, que é passado no “distante” ano de 2019, estrelado por Arnold Schwarzenegger e baseado numa história de Stephen King escrita sob pseudônimo, se encaixa direitinho no segundo grupo.

Nesse filme, Schwarzenegger interpreta Ben Richards, um piloto de helicóptero da polícia que, após se recusar a promover um massacre, é acusado injustamente por esse mesmo crime, e acaba num reality show de gladiadores modernos para presos políticos onde pode lutar pela sua liberdade. Sim, é absurdo, beira o ridículo, mas a persona debochada e irreal de Arnold torna tudo uma grande diversão.

As elucubrações ficcionais sobre como a mídia e a política podem trabalhar em conjunto para manter um governo totalitarista são exageradas, mas infelizmente bem certeiras e atuais. Fake News, Deep Fakes, populismo, desigualdade social, tem de tudo. Se os ditadores de hoje fossem um pouquinho mais corajosos não duvido que The Running Man fosse um programa de TV de verdade. Mas, graças a Deus, não é.

Pelo menos na ficção, as coisas acabam bem. Arnold e um pequeno grupo de rebeldes, onde temos óbvio, o seu clássico interesse romântico latino, que se repete em Predador e Total Recall, derruba um a um os gladiadores disparando inesquecíveis frases cretinas de efeito, até chegar ao grande vilão, interpretado por Richard Dawson, que vive o apresentador do reality com um misto de maldade, psicopatia, cinismo, canastrice e sinceridade impossível de não se aplaudir. Se ele se candidatasse no Brasil, tenho certeza que ia ter o voto de um terço da população.

Indicação: Pra torcer pela volta da democracia e brincar de bingo com as “one-liners” do Arnold.

Onde assistir: Telecine Play.

Cherry 2000 (1987)

Uma das coisas que sinto falta da ficção científica dos anos 80 era a sua habilidade de tratar com leveza de temas bem pesados. Cherry 2000 faz isso. Não muito bem, mas faz.

Em 2017, os Estados Unidos são um pesadelo burocrático e politicamente correto coalhado de terras sem lei controladas por gangues pós apocalípticas. O lance é tão esquisito que nas áreas urbanas as relações românticas são reguladas e requerem longos e difíceis contratos e dezenas de advogados. Para evitar todo esse trabalho, as pessoas começam a se “casar” com andróides sexuais se tornando cada vez mais distantes umas das outras. Parece material perfeito para um drama, mas, não tô mentindo, é uma comédia.

A história começa quando um executivo estraga a sua esposa robô, a tal da Cherry do título, e precisa consertá-la. Como é um modelo vintage, ele, com a ajuda de uma bela mercenária humana, interpretada sensualmente por Melanie Griffith, o que parece ter sido um pleonasmo nos anos 80, entra nas terras sem lei para encontrar uma robô substituta onde possa colocar seu chip de personalidade e, assim, retomar seu casamento.

Vocês já imaginam onde essa história vai. O sujeito finalmente entra em contato com uma mulher de verdade, entende o que é uma relação humana e yada, yada, yada. Óbvio que não existem andróides sexuais, ainda, mas algumas das discussões sobre o esvaziamento de sentido e sentimento nas relações e sobre a automatização do contato sexual são bem válidas pra hoje em dia. Mas, lembrem, é uma comédia.

Indicação: Pra quem já está sentindo que, depois do excesso de reuniões de Zoom de 2020, a relação com uma Cherry 2000 não seria tão difícil de aceitar socialmente.

Onde assistir: Apple TV (Aluguel e Compra).

Robocop (1987)

Há umas semanas eu encarei uma sessão dupla de Robocop. Primeiro assisti ao belísimo original e depois à “versão” do José Padilha. Foi como tomar um delicioso picolé num dia quente de verão e acabar quebrando o dente no palito. O reboot metido a sério e pouco inspirado do Padilha só não é uma perda total de tempo pois te faz amar ainda mais a bela sátira social de Paul Vehrhoeven. Mas fora isso não serve pra mais nada.

Mas vamos falar do original. A história todo mundo conhece. O determinado policial Alex Murphy é assassinado de uma forma grotesca por uma das inúmeras gangues que dominam Detroit e a corporação OCP, que “comprou” a cidade, buscando uma solução mais barata e menos complicada para oferecer segurança sem contar com os humanos e seus sindicatos, o transforma num ciborgue, o tal Robocop, o policial do futuro.

O filme todo trata, como um Tempos Modernos passado no início do século XXI, da mecanização do trabalho. O que fazer com o pedaço humano que resta quando somos transformados em meras ferramentas na mão dos interesses das grandes corporações? Os temas auxiliares da robotização da guerra e da segurança e do controle corporativo sobre o que deveria ser público tornam o filme ainda mais relevante para a nossa realidade, onde nossos bairros são dominados por milícias, nossos serviços públicos comprados por corporações corruptas com objetivos escusos, e onde a tecnologia de vigilância e drones se tornou ubíqua.

Acha que eu estou exagerando? Beleza. Assim que a vacina rolar, vamos marcar um chope pra falar disso. Onde? Hum, que tal num daqueles bares alí do lado da Estação de Metrô Coca Cola? Mas antes vê no twitter do Onde Tem Tiroteio se tá tranquilo pra gente se encontrar.

Indicação: Pra gente lembrar que a OCP não é uma fantasia tão distante da nossa realidade.

Onde assistir: Looke, NetMovies e Telecine Play.

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