Três lançamentos nada atuais nos serviços de Streaming que vale a pena conferir.

Sob a Pele (2014)

Desde Metrópolis e O Gabinete do Doutor Caligari, passando pelas obras sociais dos anos 60 e 70, a ficção científica e a fantasia no cinema sempre tiveram o papel de nos separar da realidade para discutir ela própria. Afinal, como diz Margaret Atwood, a criadora de O Conto da Aia, o papel da Ficção Científica não é falar sobre o amanhã, mas sobre o presente. Infelizmente, desde que George Lucas botou a imaginação humana em cárcere privado dentro de caixas de brinquedos, fomos soterrados em efeitos especiais que jogaram qualquer discussão mais profunda pra escanteio. Mas alguns autores e obras resistem. Como, por exemplo, Sob a Pele.

Nesse filme de Jonathan Glazer, Scarlett Johansson interpreta uma alienígena que, sob a pele de uma mulher humana, roda de carro pelo interior da Escócia, capturando homens que leva para uma espécie de dimensão paralela, onde sua carne é consumida e sobram apenas as suas peles. Um dia, ela encontra um homem com tumores faciais e, após se olhar no espelho, o deixa partir, começando uma reflexão sobre o que é ser humana e sobre o que há sob a pele.

O filme, com poucos diálogos sem exposição alguma, e filmado voyeuristicamente com muitas câmeras escondidas, não dá explicações sobre nada. É uma misteriosa e instigante jornada onde você vivencia a missão e a rotina de uma alienígena em crise existencial. Nesse trajeto há espaço para todos os tipos de discussão: feminismo, filosofia, questões sócio-econômicas e até imigração.

É uma obra muito rica de possibilidades justamente por estabelecer um enorme contraste entre o espaço alienígena do quarto negro para onde ela leva as suas vítimas e o dia a dia mundano terrestre; e, também, por não estabelecer papéis e objetivos claros para a protagonista. Uma raridade num cinema cada vez mais tatibitate e esquemático.

Eu sei que não é filme para todo mundo, mas é genial. Simples e ao mesmo tempo enigmático, é aquele filme perfeito pra discutir por horas tomando chopp após o cinema. Não por acaso, foi um fracasso retumbante de público e um enorme sucesso de crítica. Mas o que sabemos nós, os críticos? Segundo as distribuidoras, nada, afinal, com uma obra tão densa e interessante nas mãos, resolveram divulgá-lo apenas como “o primeiro filme onde a Johansson faz nú frontal”.

Indicação: Pra quem sabe que o que há sob a pele conta mais do que a pele.

Onde assistir: Now.

Upstream Color (2013)

Um hábito que eu preciso retomar é assistir a filmes sem saber nada a respeito deles. Esbarrei com Upstream Color dessa forma. Abri o MUBI, gostei do cartaz, e de repente fui tragado para um universo totalmente alienígena e ao mesmo tempo totalmente banal.

Kris, uma jovem e solitária profissional, é sequestrada por um personagem enigmático que inocula nela um parasita que a torna suscetível à hipnose. Sem vontade própria, ela lhe entrega todas as suas posses, enquanto reescreve o livro Walden, de Thoreau. Acorda sem lembranças do que aconteceu e é novamente raptada, agora por um fazendeiro, que retira o parasita do seu corpo e o inocula num porco.

Um ano depois, tentando reconstruir a vida que lhe foi roubada, Kris encontra Jeff, um viciado em recuperação, que, pelo jeito, também teve o mesmo parasita inoculado e retirado do seu corpo. Enquanto isso, na fazenda, os porcos repetem, ou direcionam(?), os movimentos dos humanos dos quais receberam parasitas. Doido, hein?

É um filme complexo, mas dirigido com muita sensibilidade e delicadeza. Através de pequenos movimentos em close, de diálogos curtos e pontuais, e de uma edição que usa e abusa do efeito Kuleshov para mostrar o paralelo entre humanos, porcos e parasitas, é criado um cenário ideal para discutir o que de fato é intenção e vontade nas nossas vidas ou se somos, como os porcos, apenas animais encarcerados que vivem a disposição dos outros para o abate e outros abusos.

Ah, e a escolha de Walden como o livro reescrito e recitado durante o filme não é por acaso. A sua inserção tão perfeita na história me fez inclusive reler o livro e chegar à conclusão que não somos livres por opção. Fazer o quê? Saber disso é melhor do que não saber.

Indicação: Pra você que esqueceu que apenas fazemos parte de uma cadeia alimentar, biológica e social.

Onde assistir: MUBI.

Mãe! (2017)

Ai, meu são Darren Aronofsky… depois de dirigir seu filme de super heróis bíblicos, Noé, Darren tinha decidido filmar uma história infantil mas acabou seduzido pela a ideia de filmar mais uma alegoria mezzo religioso, mezzo simbolista, sobre o ciclo de criação e destruição do mundo, como acontece em quase todos seus filmes, inclusive o, aparentemente realista, O Lutador.

Para amarrar dessa vez mais essa parábola, ele criou uma narrativa que conta a história de Mãe, sim, esse é o nome da personagem, interpretada com os níveis de espanto e desespero certos por uma afiada Jennifer Lawrence, nos últimos dias de gravidez, vivendo quase num Éden com o marido, interpretado por Javier Bardem, que tenta vencer um bloqueio de escritor. Essa tranquilidade é interrompida por estranhos acontecimentos na casa e pela invasão de analogias de Adão e Eva, Caim e Abel, e qualquer outro tipo de arquétipo judáico-cristão que você possa imaginar. Enquanto isso, com o apoio de Mãe, Ele, sim, esse o nome do personagem de Bardem, consegue escrever e publicar seu poema o que, agora, sim, faz as coisas realmente enlouquecerem.

É um filme daqueles “ame-o ou odeio-o”. Eu, ao contrário do que fiz com Fonte da Vida, que achei brutalmente chato e pretensioso, escolhi amar. O aspecto simbolista e alegórico permite múltiplas interpretações e o excesso dos símbolos e arquétipos apresentados torna a percepção de uma história linear quase impossível.

Na época que estava nos cinemas, todo dia vinha alguém me perguntar o que eu tinha achado do filme para realmente saber, na minha opinião, do que o filme tratava. Já pra cortar o assunto eu dizia: “Sem entender é mais gostoso”. E, sim, se você não se cobrar um sentido ao assistí-lo, vai ser muito mais gostoso.

Indicação: Pra quem só quer ser invadido por símbolos e viver uma epifania religiosa, do Gênesis ao Apocalipse.

Onde assistir: Netflix e NOW.

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