Existem diversos momentos na vida em que nos deparamos com situações de quebras emocionais, seja o fim de um relacionamento, uma demissão de emprego, ou até mesmo a necessidade de mantermos isolamento social devido a uma pandemia. Existem pessoas que reagem de forma negativa a momentos assim, fazendo com que a crise emocional que elas vivem se reflita em todos ao seu redor. É isso que acontece com Élder (Marco Ricca), dono do decadente Hotel Orleans, estabelecimento herdado de seu pai, que se encontra quase sempre vazio devido ao comportamento complicado dos poucos clientes que ainda procuram o local. Sua vida não está nada fácil: as dívidas de Élder se acumulam volumosamente, seus parcos funcionários estão trabalhando há meses sem receber salários, e um advogado insiste em bater à sua porta com uma proposta de compra do estabelecimento que lhe é totalmente desfavorável. Somado a isso, o personagem ainda precisa lidar com um cliente que não sai do quarto em que se hospedou – chamar a polícia não parece uma opção pois atrairá ainda mais problemas para o hotel.

 

Élder é um personagem que se encontra em estado quase letárgico. Na cena de abertura do filme assistimos um carro parar na porta do hotel, do qual um homem expulsa violentamente uma travesti, vestida com roupas íntimas. A reação de Élder ao assistir a cena é somente observar, sem tomar qualquer atitude, como por exemplo socorrer a vítima. Com o desenrolar da história, descobrimos os diversos problemas pelos quais o personagem passa, dentre os quais está a crise conjugal com sua esposa Rosa (Verônica Rodrigues). O filme deixa subtendido que o casal lida com um trauma causado pela perda precoce de um filho, sem nunca explicar o que aconteceu com a criança. Também fica subtendido que esse trauma levou o personagem à problemas com drogas e bebida.

 

Os diretores Cláudio Bittencourt e Diego Lopes criam uma boa mise-en-scène: através de enquadramentos e jogos de câmera, eles transmitem os estados emocionais dos personagens, ao mesmo tempo em que se aproveitam dos ambientes para criarem cenas interessantes e bem construídas. Isso acontece, por exemplo, nos muitos momentos em que a câmera acompanha Élder por trás, enquadrando suas costas para reforçar o peso que o personagem carrega em seus ombros e a turbulência pela qual está passando.

 

A atuação de Marcos Ricca deve ser destacada. O ator constrói muito bem o personagem, trazendo a ele a sobriedade necessária para os momentos de profunda melancolia pela qual está passando. É possível notar o belo trabalho desenvolvido por Ricca nos muitos momentos do filme em que ele poderia levantar sua voz e aparecer mais do que o texto demanda; o ator, porém, se mantém sempre no mesmo tom e intensidade e essa escolha de interpretação traz um forte realismo para as cenas ao mesmo tempo em que foge de estereótipos, tais como o do bêbado que se descontrola e atira o copo contra a parede. Ao invés de apelar para isso, Ricca opta pela sutileza, colocando o copo quase delicadamente dentro da lixeira em um plano aberto, e o espectador só percebe o que está acontecendo por causa do som do copo se espatifando no fundo.

 

O filme é muito bem construído até seu terço final, quando se perde. A virada da história é feita de forma acelerada, fora de ritmo, tornando as ações do personagem forçadas e comprometendo sua construção, até então tão bem-feita. A sobriedade de Ricca, porém, nunca é abalada. Já a atriz Thalia Ayala, que participa apenas da parte final da história, tem sua atuação bastante prejudicada pelas confusões criadas por essa correria.

 

O grande destaque de “Lamento” acaba sendo o estudo de personagem desenvolvido por seus diretores em conjunto com Marcos Ricca, que mostra o quanto uma pessoa pode se quebrar emocionalmente e se fechar para o mundo, e o quanto sua recusa em pedir ajuda pode ser prejudicial não apenas para ela, mas para todos à sua volta.

 

 

Nota: 3,5

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