Semana passada, o filósofo pop star esloveno Slavoj Žižek publicou no Spectator uma crítica de Matrix Resurrections onde ele confessa, bem no finalzinho do texto, não ter assistido ao filme. Tenho certeza de que meus colegas críticos de cinema devem ter dado um pulo da cadeira ao saber disso, mas, cá entre nós, quem pode criticá-lo? Os críticos?

Eu preciso dar razão a ele. Afinal, hoje em dia, a quantidade de comentários sobre qualquer obra de arte supera, em tamanho e em alcance, a própria obra comentada. Vivemos em um mundo onde a representação da representação do real é mais real do que a realidade que ela, a representação, tentava, desculpe o trava-língua, representar. Realmente.

Depois de ler a crítica, muito boa por sinal, fiquei pensando que Žižek foi conservador. Além de dar palpite sobre os filmes que decidimos não assistir, mas que, devido a toda a falação sobre eles, é como se os tivéssemos assistido, por que não criticar os filmes que ainda nem foram lançados ou sequer produzidos? Sim, vamos falar dos filmes que ainda não apareceram nas salas de cinema nem no streaming, mas que já sabemos como serão.

Não é um exercício difícil. Saca só.

Qualquer novo filme da Marvel e da DC (20XX)

Sim, o primeiro Homem de Ferro foi legal; tenho uma super nostalgia do Super Homem do Reeves, roteirizado pelo Mario Puzo; as revisões irônicas do James Gunn arrebentam; e ninguém me convence que o melhor Batman não é o Adam West. Dito isso, confesso: acompanhei o quanto pude as sagas dos quadrinhos reduzidas em escopo e profundidade para o público de cinema, mas cansei.

Quem mais aguenta ver versões requentadas de sagas que nos quadrinhos já eram ruins? Desafio Infinito, Morte do Super Homem, Batman: A noite da besta? Vamos falar sério? Não dá ser um pouquinho mais criativo?

O pior é que, depois do excelente Homem Aranha no Aranhaverso, o pessoal arrumou uma justificativa para transformar tudo em histórias de universos paralelos e construir pseudo narrativas complexas e incompreensíveis que te demandam assistir 26 filmes, sem contar as séries nos streamings, para entender o que está acontecendo em 26 segundos de uma cena.

Como um caso de vício em drogas, talvez seja melhor simplesmente evitar. Afinal, o processo vai ser sempre o mesmo: excitação inicial, preocupação com as escolhas da produção, lançamento frustrante, discussões inócuas sobre a fidelidade aos quadrinhos, até o esquecimento completo de duas horas e meia de explosões e clichês que poderiam ser melhor gastas lendo revistas antigas compradas num sebo.

Indicação: Para quem não tem paciência de ler histórias em quadrinhos ou precisa se sentir vingado por ser nerd.

Onde assistir: Se for da DC, HBO Max; se for da Marvel, Disney+.

Primeiro filme de diretor indie ou consagrado feito para o Streaming (20XX)

Isso é um outro troço que me chateia pacas. O sujeito tem uma super carreira no mainstream ou no mercado independente e aí, motivado pelo financiamento, lança seu primeiro filme direto para o streaming.

O que deveria ser um movimento normal de mercado é comemorado, ou lamentado, pela mídia ou pelos cinéfilos como a vitória do streaming sobre as salas de cinema. Não, não, é.

Sou velho o suficiente para pegar a discussão de que o VHS, todos lembram dele?, ia acabar com os cinemas. Não acabou, assim como o streaming não vai. E os nossos cult(uados) gênios vão continuar trabalhando para quem lhes pagar. Ou ninguém lembra dos comerciais que Scorsese fez pra Dolce & Gabanna e dos que David Lynch fez pra Calvin Klein?

Mesmo assim, vão tratar esse primeiro filme para o streaming como um super evento. O diretor vai fazer umas graças, em especial em relação à duração do filme; vão surgir comparações ridículas com suas obras antigas ou blockbusters com os quais ele não tem nenhuma relação; ele fará uma declaração, que, mesmo errada, estará certa, sobre o fim do cinema de arte; e todo mundo vai esquecer disso até ele se tornar produtor executivo de uma série que não tem nada a ver com seu estilo.

A caravana vai passar, os cães vão ladrar e todos ficaremos esperando pela próxima obra do nosso diretor preferido. Melhor assistir suas obras antigas ou, se não tiver elas no streaming, o que é bem capaz, comprar os DVD ou VHS delas nos sebos da internet.

Indicação: Pra quem tem saudades das sessões de sábado do Estação Botafogo nos anos 90 ou lia a revista Cinemin.

Onde assistir: Netflix ou Amazon Prime, que tem grana e coragem para bancar essas aventuras.

Mais um filme sem propósito do Adam Sandler (20XX)

Que atire a primeira pedra quem nunca assistiu a um filme do Adam Sandler. AI! Quer dizer, pelo um pedaço de um filme dele. Ah, bom saber que estamos todos no mesmo barco.

É impossível escapar dele. A qualquer hora do dia, se você rodar todos os canais da TV a cabo, ele vai aparecer em algum filme ruim, mas não péssimo, que, por preguiça, você vai acabar assistindo.

A história é sempre a mesma: Sandler é um menino grande que precisa crescer; junto com seus amigos do Saturday Night Live, vai fazer um bando de piadas escatológicas que você conscientemente saberá que são péssimas, mas das quais rirá em segredo; e no final da história ele ficará mais maduro, mesmo que não muito.

Sim, isso até funcionava quando ele tinha uns vinte e tantos anos, mas, agora, com mais de cinquenta, por que diabos continuamos compactuando com essas histórias?

Seja como for, mesmo sabendo que é uma porcaria você irá assistir, por vontade própria ou não, e começará a perceber que o problema não é com ele, mas com a você mesmo. Ou, quem sabe, com o Steve Buscemi que, inacreditavelmente, joga a sua reputação no lixo anualmente participando de quase todas essas obras medíocres.

Indicação: Pra quem ainda não percebeu que a vida é curta demais para assistir a filmes do Adam Sandler.

Onde assistir: Em todos os serviços de streaming, sério, pode conferir, e em todos os canais de tv a cabo. Por falar nisso deve estar passando um deles agora em algum lugar.

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