A série Jogos Vorazes é baseada nos livros da talentosa escritora Suzanne Collins. Os livros são gostosos de ler e repletos de aventura e suspense. E a adaptação cinematográfica, apesar de menos dilacerante que os livros, está entre as mais fiéis que já assisti no cinema. Talvez porque Suzanne faça parte do time de roteiristas, composto por ela, Gary Ross e Billy Ray

Ao contrário de outros dramas teen, praticamente não há romance, nem no livro, nem nos filmes.  Ok, a heroína Katniss (Jennifer Lawrence) é amada por dois rapazes e não sabe qual ama. E sim, você pode ser team Gale (Liam Hemsworth) ou team Peeta (Josh Hutcherson)  e ficar feliz ou frustrado ao final da trilogia.Só que, vamos combinar que a relação amorosa da protagonista é apenas pano de fundo para uma trama, que é muito mais política do que romântica ( e há várias fanfics que tentam suprir isso e são até bem legais).

O que a série de fato propõe é  deixar na mente do espectador perguntas como “quem é o verdadeiro inimigo em uma guerra?”, “existe guerra justa?” “Até onde vai a morbidez e o gosto do ser humano pela tragédia alheia?”. Guardadas as devidas proporções, poderíamos até comparar o prazer sádico dos telespectadores dos “Jogos vorazes” com aquele que faz rir os espectadores dos vídeos que circulam na internet para humilhar pessoas – principalmente mulheres – e alcançam incrível número de  visualizações. Ou a curiosidade em cima de tragédias da  vida de celebridades e subcelebridades.

O enredo em si é de arrepiar: crianças de 12 a 18 anos são sorteadas e jogadas em uma arena onde tem que matar ou morrer para divertir ao público de um reality show e simultaneamente lembrar a toda população dos 12 distritos que compõe a fictícia Panem, que não devem ameaçar o poder da Capital que os governa.  Como se não bastasse, os organizadores submetem os meninos à provas que incluem enfrentar fome, sede, frio, animais selvagens geneticamente modificados e todo tipo de desgraça que se possa imaginar. Ao final, somente um dos “tributos” pode ficar vivo, mas, ao longo da saga descobrimos também, que nesse caso,  sobreviver nem sempre é o mesmo que viver. Afinal como diz Peeta no livro : ” na arena, você tem apenas um desejo. E é muito caro”… “Custa muito mais do que a sua vida. Matar pessoas inocentes? Custa tudo o que você é””.

Em uma trama assim não há espaço para mocinhos convencionais. Tampouco heróis ou vilões. Katniss é uma garota que aos doze anos fica órfã de pai e precisa aprender a caçar ilegalmente para sobreviver; Peeta  um padeiro, com alma de artista, que ama pintar e tem bom coração. Ao serem obrigados a participar dos jogos vorazes, os dois jovens de 16 anos são obrigados a se transformar em assassinos, assim como as outras 22 crianças sorteadas nos demais distritos.  É muito provável até que tenham que matar um ao outro. Mesmo que tenha sido ele que, anos atrás, salvou a vida dela ao oferecer-lhe pão quando morria de inanição. Há ainda Gale, o melhor amigo da protagonista, que não participa dos jogos. Ele não pode ser descrito como uma pessoa má:  cuida da sua família e da de Katniss enquanto ela está fora e se sacrifica por quem ama e pelo que acredita. Mas é cheio de ódio, revolta e mágoas. Mais questões: Até onde se é capaz de ir em nome da sobrevivência, seja a própria, seja a daqueles que amamos? A bondade e a gratidão resistem quando se é levado ao todos os limites?  É justificável combater violência com violência?

A saga faz refletir ainda sobre a questão do pertencimento do corpo. Os corpos dos “tributos” deixam de serem seus para ser propriedade dos organizadores dos jogos. Desde as roupas aos cortes de cabelo, de banho à extinção de cicatrizes, tudo é decidido por quem manda. Não há espaço para subjetividade, embora alguns deles em maior ou menor grau – como Katniss, Peeta, ou mesmo a pequena Rue – uma menina de apenas doze anos –  consigam manter a sua essência na arena. Ao contrário de outros, especialmente os carreiristas treinados desde o nascimento para combater nos jogos e transformados em “máquinas de matar”. Impossível não lembrar das crianças de determinados países, que aprendem praticamente desde o berço a pegar em armas em nome de uma “guerra santa”.

Os filmes, assim como os livros, servem também para discutir o papel da mulher e, não por acaso, inspiraram várias teses acadêmicas sobre o assunto. Poderíamos até dizer que são bastante feministas. A maioria dos papéis de liderança é ocupada por mulheres.  E Katniss está bem longe de ser uma “princesinha à espera do príncipe salvador. Ela é confusa, sofrida, cheia de dúvidas. Mas também é valente,   esperta o suficiente para se virar sozinha e, por mais de uma vez, é ela quem salva os homens, numa subversão do que costuma acontecer no cinema e na literatura mais tradicionais. Não sei se foi proposital, mas, é engraçado ver como os estereótipos de homem e mulher se invertem: Peeta é sensível, Katniss guerreira, ele é bom com as palavras, ela com arco e flecha. E, em geral, é ele quem precisa ser salvo.

Vale a pena ver, seja para curtir uma história repleta de suspense, adrenalina e boas atuações, seja para refletir.

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