Ainda me lembro da primeira vez que assisti a “Os Goonies”, de Richard Donner. O ano era 1985 e o local era um dos vários cinemas da Praça Saens Peña, na Tijuca, um lugar que num passado não muito distante já foi conhecido como a segunda Cinelândia carioca devido à profusão de salas de cinema que havia ali. Estávamos eu, meu pai e minha irmã num típico passeio de fim de semana de dois filhos de pais separados que saíam com o genitor da vez e, naquele sábado (ou domingo, neste ponto a memória falha), resolvemos deixar o Tivoli Park de lado e experimentar um programa diferente. Era a primeira vez que eu ia ver um filme fora da telinha arredondada e sem graça da TV e a sensação de euforia era imensa.

Para aquela minha primeira experiência no cinema, posso assegurar que “Os Goonies” não decepcionou nem um pouco. A história, escrita por Steven Spielberg e roteirizada por Chris Columbus, é feita sob medida para agradar às crianças de todas as idades, já que é um clássico protagonizado por jovens atores de 11 a 17 anos, com pitadas de romance aqui e ali e várias cenas de humor ao longo dos seus 114 minutos de duração. Em termos de gênero, pode-se dizer que o filme é um híbrido de comédia infanto-juvenil com aventura, uma espécie de “Stranger Things” meets “Indiana Jones” que funciona muito bem em todas as telas, mesmo sendo assistido agora, mais de trinta anos depois, para produzir o texto desta coluna.

Na trama, os irmãos Mikey (Sean Astin) e Brand (Josh Brolin) unem-se ao gordinho engraçado Chunk (Jeff Cohen), ao espertalhão Mouth (Corey Feldman), ao chinesinho obcecado por engenhocas Data (Jonathan Ke Quan), à patricinha Andy (Kerri Green) e à amiga feinha dela Stef (Martha Plimpton) numa busca incansável por um suposto tesouro pirata escondido nos arredores de Astoria, região portuária localizada no estado do Oregon, onde eles vivem. E a procura por essa riqueza secreta é motivada não apenas pelo espírito de aventura dos jovens como também pela necessidade de reunir uma quantia em dinheiro suficiente para evitar que suas casas sejam demolidas, como consequência da expansão desenfreada do clube local.

O título do filme é o nome que os quatro rapazes mais jovens (Mikey, Chunk, Mouth e Data) escolheram para se autodenominarem, numa referência direta à área fictícia de Goon Docks (ou “Docas Goon”), onde eles moram, e fazendo até mesmo um autoelogio à própria turma de amigos, já que “goon” também significa valente em inglês. E nessa destemida busca pelo tesouro pirata, os goonies enfrentam os Fratelli (“irmãos”, em italiano), uma família de criminosos liderada por Mama Fratelli (Anne Ramsey) que é auxiliada por seus filhos Jake (Robert Davi) e Francis (Joe Pantoliano). Os três ainda se revezam ora maltratando, ora recebendo a ajuda de Sloth (John Matuszak), uma espécie de ser humano superdesenvolvido, abobalhado e de rosto deformado que também atua como mascote da quadrilha.

“Os Goonies” é recheado de homenagens e referências cinematográficas que vão desde a mais escrachada feita a “Superman” (quando Sloth rasga a camisa e o “S” do super-herói surge na camisa debaixo, seguido de sua inconfundível trilha sonora), até a mais discreta menção a “Gremlins” (quando Chunk pede ajuda pelo telefone ao policial incrédulo que cita uma passagem do filme). E por falar em trilha sonora, é impossível escrever sobre “Os Goonies” e não mencionar a inesquecível canção de Cyndi Lauper, “Good Enough” (ou “The Goonies ‘R’ Good Enough”, como acabou ficando conhecida), que ajudou a eternizá-lo. Cyndi inclusive faz uma pequena ponta no filme, ao aparecer cantando na TV enquanto os rapazes assistem à MTV (imagem essa que foi inserida apenas posteriormente, já na fase de edição, uma vez que o referido videoclipe da cantora só foi lançado meses depois das filmagens de “Os Goonies” terem terminado).

Outros destaques do filme são as muitas cenas hilárias de Chunk (que garantiram a indicação de Jeff Cohen ao Saturn Award e ao Young Artist Award), a espirituosa tradução simultânea feita por Mouth para o espanhol das instruções dadas à nova empregada Rosalita (Lupe Ontiveros) e a maquiagem bem feita do rosto monstruoso de Sloth.

“Os Goonies” marca ainda o início das carreiras duradouras de Josh Brolin (em sua primeira aparição no cinema), Corey Feldman (que ganhou o papel de Mouth após disputá-lo nos testes com seu futuro amigo e xará Corey Haim, seu companheiro de várias outras produções posteriores) e Sean Astin (que trinta anos depois viria a integrar o elenco de “Stranger Things”, uma espécie de versão televisiva e sobrenatural de “Os Goonies”). Uma das muitas curiosidades a respeito do filme é que o diretor Richard Donner, ao longo de meses de filmagem, esforçou-se por impedir que todos os integrantes do elenco mirim vissem o majestoso navio pirata antes da cena em que seus personagens o avistavam pela primeira vez no fundo da caverna. A intenção era capturar reações de surpresa as mais espontâneas possíveis dos atores. Entretanto, a estratégia deu certo até demais e o tiro acabou saindo pela culatra, pois Josh Brolin, assim que bateu os olhos no navio, soltou um sonoro e cabeludo palavrão e a cena teve de ser refilmada, para desespero de Donner.

Apesar de trabalhar com vários estereótipos que se justificam pelo público a que se destina e também pela época em que foi feito, o fato é que “Os Goonies” continua sendo diversão garantida mesmo para as crianças ultratecnológicas do século XXI e funciona como um mergulho nostálgico e prazeroso no passado para todo adulto que não sufocou completamente a criança que existe dentro de si. Se você é um deles, recomendo que reveja (ou veja pela primeira vez) e se divirta com esse clássico dos anos 1980.

Para mais informações sobre a trilha sonora de “Os Goonies”, leia também a coluna Na Trilha do Cinema, do colega Wellington Lisboa, em: http://cinemaparasempre.com.br/index.php/2018/03/08/anos-80-os-goonies-the-goonies/

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