Já é um fato conhecido que a segunda metade do século XX viu crescer no mundo todo um súbito interesse pela ufologia e por seus enigmáticos e temíveis OVNIs (Objetos Voadores Não Identificados). É possível que isso tenha ocorrido porque foi nessa mesma época que as viagens aéreas conseguiram se firmar como deslocamentos habituais entre aqueles que podiam pagar por elas e que as viagens espaciais puderam finalmente ser realizadas pelos astronautas, tornando o espaço sideral e seus mistérios um ambiente bem mais sedutor do que era antes. Ou talvez essa onda de avistamentos de discos voadores só tenha se manifestado porque as sombras da Segunda Guerra Mundial, com suas bombas atômicas sendo lançadas diretamente do céu, ainda fossem bastante nítidas (e temidas) durante as primeiras décadas do pós-guerra no imaginário de todos. Seja como for, o que parece indiscutível é que os monstros e vampiros que tanto figuravam na literatura do século anterior (Frankenstein, de Mary Shelley, e Drácula, de Bram Stoker, são apenas dois dos muitos exemplos) foi cedendo espaço, no decorrer dos 100 anos seguintes, aos extraterrestres da TV e do cinema, esses dois meios audiovisuais que, desde seu surgimento, foram transformando os leitores de antigamente nos (tel)espectadores de agora. E é justamente nas telas de todos os tamanhos onde mais sobram exemplos de produções daquela época que exploravam o tema de visitantes quase nunca amigáveis em nosso planeta. São eles: Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) e Alien, O Oitavo Passageiro (1979), além das séries V – A Batalha Final (1984) e a famosíssima Arquivos X (1993). Era de se esperar que fosse precisamente em meio a esse caldeirão alienígena, que misturava pura fascinação com uma boa dose de terror, que o filme da coluna Novos Clássicos desta semana encontrasse as circunstâncias ideais para ser produzido.

Dirigido por Steven Spielberg em 1982 e indo na contramão do modelo de alienígena assustador de sua época, E.T. – O Extraterrestre dispensa apresentações ou sinopses apressadas. Basta dizer que, desde o seu lançamento, o longa-metragem encabeçou a lista de filmes mais bem-sucedidos da história do cinema e lá permaneceu com folga até 1993, quando foi destronado por Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros, também de Spielberg. Até hoje, E.T. figura num confortável quarto lugar, perdendo apenas para o campeão Avatar (2009) e o vice-campeão Titanic (1997), além do medalhista de bronze já citado. Entretanto, existe ainda um recorde pouco comentado e que nenhum outro filme conseguiu tirar dele até o presente momento: o de longa-metragem que ficou mais tempo em cartaz da história. Pois é, desde sua estreia nos EUA em 11 de junho de 1982, E.T. continuou sendo exibido em salas de cinema do mundo todo durante mais de um ano seguido, o que por si só já é um feito e tanto. Mas o sucesso do filme não para por aí e ele coleciona nada mais nada menos do que quatro estatuetas do Oscar, um Globo de Ouro e dezenas de outras indicações e vitórias em premiações menores.

Numa das mais famosas cenas do filme, os meninos fogem com E.T., que faz todas as bicicletas voarem usando os seus poderes de telecinesia
A cena inclusive inspirou uma das atrações da Universal Studios, em Orlando

E.T. – O Extraterrestre assinala mais uma parceria de Spielberg com John Williams, o compositor de trilhas sonoras mais reverenciado de todos os tempos que, obviamente, também ganhou vários prêmios pela trilha de E.T. O filme também marca o início das carreiras de quatro atores e atrizes mirins que fizeram ou ainda fazem sucesso até hoje nas telas: Drew Barrymore, Henry Thomas, C. Thomas Howell e Erika Eleniak. Quem não se lembra de Drew, aos seis anos de idade, gritando apavorada diante do E.T. ao avistá-lo pela primeira vez? Pouca gente sabe, mas ela concorreu ao papel de Gertie junto com a atriz Sarah Michelle Gellar (protagonista da série de TV Buffy, A Caça-Vampiros) e acabou levando a melhor. Outra que também fez testes para o mesmo personagem foi Juliette Lewis (de Kelly & Cal: Uma Amizade Inesperada), mas seu pai a fez desistir do papel antes mesmo de ser aprovada. Já o boneco que dá nome ao filme só ganhou vida nas telas graças a um dublê anão que o interpretou na maior parte do tempo e também a um menino de 12 anos que nasceu sem as duas pernas, mas conseguia andar usando apenas os braços.

Gertie (Drew Barrymore, de “As Panteras” e “Nunca Fui Beijada”)
Elliott (Henry Thomas, de “Ouija, a Origem do Mal”)
C. Thomas Howell, da série de TV “Grimm”
Erika Eleniak, da série de TV “Baywatch”

Um dos truques que Spielberg utilizou para fazer a história ser contada do ponto de vista de E.T. e Elliott (e, consequentemente, também criar uma conexão imediata com o público infantil), foi filmar a maior parte das cenas da altura dos olhos de uma criança. Isso fez toda a diferença no resultado final e pode ser notado facilmente ao assistir ao filme com olhos mais atentos.

O E.T. visto da altura das crianças
Elliott, Gertie e o irmão mais velho deles Michael (Robert MacNaughton) vistos da altura dos olhos do E.T.

Uma última curiosidade sobre E.T. – O Extraterrestre é a já famosa teoria, não confirmada por Spielberg, que afirma que a trajetória do alienígena na trama serve apenas de metáfora para a história de Jesus Cristo. Pelo sim, pelo não, vamos aos fatos: E.T., assim como Jesus, é um ser que veio do céu, que gostava de se cercar de crianças (“vinde a mim as criancinhas”), tinha poderes telecinéticos e de cura, ressuscitava plantas e ainda por cima possuía um coração que brilhava ao pulsar (semelhante ao sagrado coração de Jesus das pinturas renascentistas). Assim como Cristo, ele foi perseguido pelos governantes (no caso, os agentes de segurança nacional e os cientistas) e deu a própria vida para salvar o seu semelhante (como no momento em que Elliott, psiquicamente conectado ao E.T., passa a ficar doente exatamente como ele, só sendo salvo quando este se desvincula do menino e morre). A questão da empatia sobrenatural entre os dois personagens é digna de nota não só porque Elliott passa a sentir tudo que E.T. sente (e vice-versa), mas também porque os dois personagens têm nomes que começam e terminam com as mesmas letras do alfabeto: E e T. Isso poderia significar, segundo os mais adeptos dessa teoria conspiratória, que Elliott e E.T. seriam, na verdade, a mesma pessoa (ou ao menos “irmãos”, no sentido cristão da palavra), o que também justificaria o fato, por exemplo, de a mãe de Elliott se chamar Mary (Maria). Mas as semelhanças com Jesus Cristo não param por aí e o alienígena não só morre como ressuscita depois de um tempo e sobe aos céus (volta para casa numa nave espacial), deixando antes uma mensagem para lá de cristã: “Be good” (“Seja bom”). O próprio pôster do filme, mostrando os dedos indicadores de Elliott e E.T. se tocando, dá margem para comparações com a famosa pintura de Michelangelo A Criação de Adão, que decora a Capela Sistina.

A semelhança entre o coração reluzente do E.T. e o sagrado coração de Jesus
O famoso pôster do filme acima e A Criação de Adão, pintada por Michelangelo, logo embaixo

Quer exista de fato uma doutrinação cristã ou não por trás dos elementos do filme, uma verdade concreta é que E.T. – O Extraterrestre conquistou milhões de fãs ao redor do mundo tanto pela inocência dos personagens quanto pela mensagem de paz e de amizade que a história transmite. E numa época em que figuravam nas telas e no inconsciente coletivo apenas alienígenas que simbolizavam uma ameaça mortal ao planeta e à humanidade, é de se compreender que a carinha amistosa do E.T. de Spielberg trouxesse um sentimento de alívio e de esperança que há muito tempo os espectadores do mundo inteiro vinham almejando assistir no cinema. Portanto, se você leu até aqui, que tal reunir a família e (re)ver esse clássico de ficção científica altamente emocionante dos anos 1980?

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