Direção: Carolina Jabor/ Roteiro: Lucas Paraízo/ Ano de lançamento: 2018

Logo que assisti ao trailer, me interessei por esse filme, por tocar em uma temática que sempre me chamou a atenção: o poder da mídia para o bem e para o mal e sua capacidade de construir ou destruir reputações. Não que o tema seja novidade. Já em 1961, estreava a peça “Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, que contava a história de Arandir, um jovem que tem sua vida devastada pela imprensa sensacionalista ao ser fotografado no momento em que realiza o último desejo de um desconhecido que acabara de ser atropelado: um beijo na boca. Na versão apresentada pelos jornais, não interessa o fato, mas, a ficção que se cria em torno dele, no qual Arandir vira um criminoso que matara o amante. A intensidade com que a falsa notícia é propagada faz com que até mesmo sua família passe a duvidar dele.

Guardadas as devidas proporções, o linchamento midiático de Arandir guarda certa semelhança com a trajetória de Rubens, protagonista de “Aos teus olhos” (o ótimo Daniel Oliveira). Na trama, o professor de natação infantil, extrovertido e querido pelos alunos, é acusado de ter beijado na boca um dos meninos para quem dá aula. Ninguém viu o fato, não há qualquer prova. Porém, segundo a mãe da criança,  o filho lhe contou ter sido beijado pelo professor. Indignada e sem saber ao certo como agir, ela toma uma atitude muito comum nos nossos dias: divulga a história nas redes sociais e, é claro, que a notícia se espalha. A partir daí tem inicio uma bola de neve, com a informação sendo repassada em velocidade impressionante e bagunçando a vida de todos os envolvidos, desde o próprio Rubens, passando pela diretora do colégio, o outro professor e os próprios pais da suposta vítima.

Adaptado da peça “O princípio de Arquimedes” do espanhol Josep Maria Miló, o roteiro de Aos teus olhos, de inicio faz lembrar ainda o filme A caça, no qual um professor de jardim de infância tem sua vida devastada ao ser acusado de pedofilia. Entretanto, se no longa dinamarquês – assim como na peça de Nelson – sabemos da inocência do protagonista e sofremos com a injustiça,  na peça espanhola e, por consequência no filme brasileiro, não importa se Rubens é culpado ou inocente. Não há evidências nem de um lado, nem de outro.Se por um lado, uma sunga da criança é encontrada nos pertences do professor, por outro lado logo no inicio ele aparece catando os pertences que as crianças esquecem todo o tempo no clube. O mesmo acontece com vários outros fatos. Seu jeito brincalhão, as piadas de duplo sentido que faz com os colegas, as alunas adolescentes que aceita como amigas nas redes sociais, tudo isso pode simplesmente não significar nada. Mas a partir do momento que a denúncia é feita, tais fatos lançam suspeita sobre o comportamento do rapaz, sem que a pergunta sobre o que realmente aconteceu nunca seja respondida. Como o próprio título do longa sugere, cada um pode tirar suas próprias conclusões, pois esse não é o foco aqui.

A própria diretora, em entrevistas, disse mais de uma vez que a questão que lhe mobiliza e que lhe interessa discutir é o linchamento virtual e o tribunal das redes sociais,  e é nisso que ela se detém. Podemos pensar que se nos anos 60, o  personagem rodrigueano era vítima de um repórter inescrupuloso, hoje com facebook, whatasapp e similares, qualquer pessoa pode ocupar esse lugar, criando e distorcendo fatos, ou mesmo compartilhando notícias, sem se dar o trabalho de checar os fatos (e nem precisa ser inescrupuloso para compartilhar, muita gente apenas acredita no que lê e repassa sem qualquer senso crítico).

A internet é uma ferramenta poderosa, que nos permite uma comunicação rápida e global, as redes sociais permitem que reencontremos amigos, que fechemos negócios, divulguemos nossos trabalhos. Mas, mais do que nunca, é preciso se ter responsabilidade com como se usa tal instrumento e o que se publica.  Muitas vezes inverte-se a lógica do “inocente até prova contrária”, para “culpado até prova contrária”. Mas será que isso é justo?  O filme levanta uma questão pertinente ao propor tal discussão.  Afinal, como diz uma amiga  minha”nem sempre onde há fumaça há fogo, às vezes é gelo seco”.

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