A Glória e a Graça – um dos filmes brasileiros mais premiados do ano

 

 

A Academia Brasileira de Cinema divulgou essa semana os indicados para a premiação que ocorrerá no dia 18 de setembro, na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. Liderando a disputa está “Bingo – O Rei das Manhãs” de Daniel Rezende, com 15 indicações, seguido pelos filmes “A Glória e a Graça”, de Flávio Ramos Tambellini, e “Como Nossos Pais”, de Laís Bodanzky, ambos com 10 indicações. “A Glória e a Graça”, que se tornou um dos filmes brasileiros mais premiados do ano, foi reconhecido em diversos festivais pelo mundo, abrindo a noite de gala do Los Angeles Brazilian Film Festival, nos EUA, e sendo exibido no Lovers Film Festival em Turim, na Itália, ao lado do longa “Me Chame Pelo Seu Nome”, indicado ao Oscar de Melhor Filme.

 

Mas o que faz um filme se tornar destaque em tantas premiações?

No caso de “A Glória e a Graça”, a resposta pode estar na originalidade com que uma história tão singela é contada. A trama começa quando Graça (Sandra Corveloni), mãe solteira de dois filhos de pais diferentes, descobre estar com um aneurisma inoperável e pouco tempo de vida. Sozinha, resolve ir atrás de Luiz Carlos, seu irmão, com quem não fala há anos, para pedir que ele assuma as crianças no caso de uma fatalidade. Quando o encontra, descobre que Luiz Carlos se tornou Glória (Carolina Ferraz), uma travesti independente e bem-sucedida, que a princípio rejeita o seu pedido. Aos poucos, as irmãs resgatam memórias e traumas do passado, em uma relação repleta de humor, ressentimentos e, principalmente, amor.

 

Ao desenvolver Glória como uma travesti que venceu na vida, dona de um restaurante, fluente em vários idiomas, e emocionalmente pronta para assumir a figura materna de duas crianças, o filme subverte paradigmas que nos são impostos diariamente em uma sociedade ainda tão conservadora e transfóbica, mostrando que uma travesti pode, de fato, ser a base de um núcleo familiar. Graça, em muitos sentidos, é mais imperfeita e instável que a irmã, fazendo com que no seu arco dramático ela encontre o equilíbrio, além da redenção.

 

O filme levou nove anos para ser viabilizado, passando por uma luta quase interminável de “nãos” e portas fechadas – devido à ousadia de sua proposta. Diversos investidores chegaram a desaconselhar Carolina a interpretar uma travesti, dizendo que isso poderia manchar a sua imagem. Ela, que se apaixonou pela história a primeira vez que foi abordada pelo roteirista e autor do argumento, Mikael de Albuquerque, resolveu comprar os direitos do roteiro e lutar para que o filme saísse do papel, ao lado do renomado produtor Flávio Ramos Tambellini, que viria também a dirigir o longa.

Foto de Flávio Tambellini, Carolina Ferraz e Mikael de Albuquerque com o prêmio SESC

 

Aliás, a composição da equipe seria uma das chaves para o successo do filme. O roteiro, além de Mikael, mestre em escrita dramática pela New York University, contou com o talento de Lusa Silvestre, roteirista dos ótimos “Estômago”, “Mundo Cão” e “Um Namorado Para a Minha Mulher”. O resultado é uma história contemporânea e atemporal, que incita o debate e eleva o espírito humano. Para interpretar Graça foi escalada a excelente Sandra Corveloni, vencedora da Palma de Ouro em Cannes em 2008 por “Linha de Passe”, de Walter Salles e Daniela Thomas. Também comprometida ao projeto por quase 10 anos, Sandra estudou a fundo a psique de pessoas em fases terminais, construindo uma personagem forte e vulnerável, que passa por uma verdadeira montanha-russa de emoções.

 

“A Glória e a Graça” contou, ainda, com a participação da saudosa ex-presidente da ASTRA-Rio, a travesti e ativista Majorie Marchi, e a bela atriz trans Carol Marra, em um papel de destaque. Sendo o Brasil, lamentavelmente, o país que mais mata cidadãos da comunidade LGBTQ, a importância de uma obra como “A Glória e a Graça” se torna ainda mais relevante. E assim, ela pode ser visto como um filme pioneiro, o primeiro da nossa cinematografia a inserir uma travesti não-marginalizada em um ambiente familiar. E para que o filme funcionasse, a escolha de quem interpretaria a sua protagonista teria que ser acertada.

 

Carolina Ferraz

Carolina Ferraz. Atriz, bailarina e apresentadora de TV, Carolina conquistou o público com seu carisma e elegância. Como uma das atrizes mais bonitas do Brasil, ficou associada à imagem de rica e sofisticada, o que limitou, muitas vezes, a variedade de personagens que lhe foram oferecidas. Pronta para enfrentar o maior desafio de sua carreira, Carolina se jogou no universo trans por anos, entrevistando mais de 60 travestis e participando de inúmeros laboratórios. Durante esse processo, trabalhou com os preparadores de elenco Christian Durvoort e Marina Medeiros, para compor o emocional da personagem. Durante as filmagens, passava por horas diárias na cadeira do maquiador Marcos Freire, sendo transformada em Glória. O resultado foi impressionante. Carolina foi ovacionada em festivais de cinema pelo mundo – do Canadá à Itália, da África do Sul à Índia –, e ganhou o prêmio de Melhor Atriz do Público no Festival SESC de Cinema Melhores Filmes.

 

Em conversa com o Cinema Para Sempre, a atriz conta sobre Glória e como ela mexeu com sua vida.

 

Cinema Para Sempre: Como a Glória surgiu para você e fez uma revolução com tantas indicções e prêmios no Brasil e no Exterior?

Carolina Ferraz: Antes de mais nada é importante dizer o esforço que foi realizar esse filme.  A primeira vez que eu li esse roteiro foi o Mikael ainda garotinho, que me convidou, para fazer o filme. Eu li o roteiro e me apaixonei pela históriae pelo personagem da Glória. Sempre foi o perrsonagem que encantou os meus olhos. Ele estava tentando levantar a produção do filme e eu comprei os direitos da história. Durante 9 anos  a gente tentou conseguir patrocínio, a gente tentou levantar o dinheiro e sempre uma grande dificuldade. As pessoas diziam que não iriam patrocinar um filme que a protagonista era um travesti. Eu ouvi pessoas me dizendo, empresários que eu deveria desistir dessa ideia que isso acabaria com a minha carreira. Flávio Tambelini encontrou também muitas dificuldades. Foi só no final do processo, uns 3 anos e meio ou 4 que essa percepção do universo trnas mudou e finalmente nós conseguimos o patrocínio. Não foi a verba total, mas nós fizemos um filme de low-budget (baixo orçamento). O objetivo principal era realizar esse projetoque todo mundo acreditava de coração, todo mundo estava ali envolvido por paixão. Imagina o que é uma luta de repetidos “Nãos, Nãos e Nãos” que leva 9 anos e finalmente a gente consegue realizar o projeto e temos ai a felicidade de ter ai esse projeto premiado no mundo inteiroTodos os Festivais que a gente está participando o filme é premiado eu estou ganhando vários prêmios como atriz, Flávio como Diretor, fotografia, roteiro, é um filme premiado em todas as áreas. A gente está muito, muito feliz!

 

Cinema Para Sempre: E o que significa para você ganhar prêmio com a Glória que é um personagem que foge totalmente do padrão que as pessoas costumam oferecer para você?

Carolina Ferraz: Como atriz particularmente esse é um presente maravilhoso. E evidentemente eu sei que só consegui fazer essa porque eu sou produtora junto com Flávio Tambellini. Jamais uma produtora de elenco, uma diretora de casting leria um roteiro desses e diria “Carolina, chegou aqui nas minhas mãos um filme  que tem uma personagem de travesti perfeita para você.” Isso não aconteceria nunca. Me encantei pela personagem justamente por ser  uma coisa tão inesperada e também porque acho que a Glória é um ser humano incrível. E acho que o ator na verdade é a sucessão de papéis que ele consegue fazer, não dos papéis que ele tem competência para fazer. Durante muitos anos até por uma questão de  está sempre muito dedicada e envolvida com projetos de televisão, a gente acaba fazendo mais ou menos a mesma personagem, mas os meus desejos, a minha disponibilidade sempre estiveram presentes. Sempre estive mais aberta e disponível para grandes desafios do que as pessoas pudessem imaginar. Então para mim é uma conquista pessoal ter conseguido realizar um projeto do qual eu possa mostrar para as pessoas que existem outras cores aqui. Esse arco-Íris tem uma gama de cores maior. Estou muito, muito, muito feliz!

 

 

Cinema Para Sempre: Como esse filme teve uma longa trajetória até chegar as salas decinema e circular por diversas premiações fora do Brasil, você acredita que essa virada do filme pode ser um divisor de águas no cinema Brasileiro, abrindo possibilidades para que os patrocinadores possam enxergar o cinema de outra forma?

 

Carolina Ferraz:  Primeiro é uma surpresa essa quantidade de prêmios . Esse é o segundo, filme nacional mais indicado a prêmios este ano. Estamos juntos assim, nós e o filme da Lais Bodanski e a gente só perde para o “Bingo” que tem 15 indicações e nós tivemos 10. É uma alegria! Espero  que sirva sim para que o mercado se transforme, para que o mercado brasileiro comece enxergar o cinema de uma maneira mais bacana e que há mercado de fato para filmes mais sensíveis, para filmes mais artísticos e a despeito de tudo, eu considero “A Glória e a Graça” um filme  não de nicho, eu considero “A Glória e a Graça” um filme que pode interessar não só os adultos individualmente, mas a família. É um filme para toda a família. que fala sobre amor e resgate. Duas irmãs que se reencontram e a maneira como elas vivem esse reencontro  num momento da vida tão crucial de uma delas. O resgate da ausência,  do amor e do afeto das crianças e das irmãs. É um filme bacana, muito bonito que vai muito além a gênero. Para mim é um filme que fala sobre amor e família. Espero sim que esse filme sirva para abrir a cabeça do mercado brasileiro e que então o mercado possa investir mais e melhor nesse tipo de filme.

 

 

 

Prêmios de A Glória e a Graça:

 

Kashish Mumbai Queer Film Festival, Índia:

Melhor Filme do Público

Melhor Filme da Crítica

 

Calgary Fairy Tales Queer Film Festival, Canadá:

Melhor Filme

 

Seatle Transgender Film Festival, EUA:

Melhor Filme

 

Los Angeles Brazilian Film Festival, EUA:

Melhor Atriz Coadjuvante – Sandra Corveloni

Melhor Roteiro – Mikael de Albuquerque e Lusa Silvestre

 

Prêmio Sesc de Cinema Melhores Filmes, Brasil:

Melhor Filme

Melhor Atriz – Carolina Ferraz

Melhor Roteiro – Mikael de Albuquerque e Lusa Silvestre

Melhor Fotografia – Gustavo Hadba

 

Grande Prêmio do Cinema Brasileiro:

Indicações:

Melhor Filme

Melhor Atriz: Carolina Ferraz

Melhor Roteiro Original: Mikael de Albuquerque e Lusa Silvestre

Melhor Atriz Coadjuvante: Sandra Corveloni

Melhor Ator Coadjuvante: Cesar Mello

Melhor Fotografia: Gustavo Hadba

Melhor Maquiagem: Marcos Freire

Melhor Montagem de Ficção: Sérgio Mekler

Melhor Trilha Sonora Original: Pedro Tambellini

Melhor Som: José Moreau Louzeiro, Simone Alves e Ariel Henrique

 

 

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Fundadora e proprietária do Cinema Para Sempre exerce as funções de Editora-chefe, crítica de cinema e repórter. É Jornalista formada pela FACHA (Faculdades Integradas Hélio Alonso), onde descobriu o universo da crítica de cinema e iniciou uma pesquisa sobre o assunto, e se tornou professora de Crítica de Cinema desde 2011. No jornalismo trabalhou como: Repórter, Assessora de Imprensa, produtora de programas para webtv e, claro crítica de cinema. É também mediadora debates.

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