Três lançamentos nada atuais nos serviços de Streaming que vale a pena conferir.

Gabo: A Criação de Gabriel García Marquez (2015)

Nunca fui um fã de realismo fantástico e ponho a culpa disso nas novelas. Meu primeiro contato com esse gênero tão peculiar da América Latina foi, como aconteceu com muita gente, através da televisão. As obras de Dias Gomes ou as novelas baseadas em Jorge Amado faziam a cabeça do Brasil com aquela mistura safada de sincretismo religioso e erotismo, mas eu preferia  mesmo o realismo mundano da Janete Clair. Como diziam, Dias Gomes não era o melhor dramaturgo nem dentro de casa.

Por isso, quando um amigo me recomendou assistir a Gabo, o documentário sobre Gabriel García Marquez, óbvio que resisti. Logo ele, ícone do realismo fantástico, o mais endeusado escritor latino americano, ganhador do Nobel, amigo de reis e deuses. Com certeza não ia gostar. Bom, se tinha tanta certeza que não seria afetado pelo filme, por que não dar uma chance a ele?

Me arrependi.

Não que o filme seja ruim, muito pelo contrário. O documentário de uma forma muito leve e poética conta a história da vida de Gabo, olha só, já estou cheio de intimidades, tentando de forma investigativa nos fazer desvendar o que transformou Gabriel García Marquez no ícone do realismo fantástico, o mais endeusado escritor latino americano, ganhador do Nobel, amigo de reis e deuses, yada, yada, yada.

Combinando entrevistas atuais, com filmagens nos locais por onde Gabo passou e material de arquivo, o filme cria uma bela colcha de retalhos que vai te fazer, como fez a mim, ficar apaixonado pela Colômbia, pelo escritor e sua obra, que acabei comprando logo depois que o filme acabou. É um excelente documentário, mas, cuidado, vai mexer contigo. Confesso que em algumas partes conseguia até sentir o calor do sol sobre a pele, mas isso já deve ser reflexo da pandemia.

Em suma, é duro dar o braço a torcer depois dos quarenta anos e perceber que suas pretensas predileções estéticas não passam de preconceitos bobos. E, Corélio, é, você, culpado por me indicar esse filme, se liga: depois vou te mandar a conta dos livros que fui obrigado a comprar.

Indicação: Pra quem precisa aprender a deixar de ser besta e começar a gostar de coração de coisas que você execrava no passado.

Onde assistir: Netflix.

Joan Didion: The Center will not Hold (2017)

Tem duas coisas que são uma combinação fatal para um documentário biográfico: um, a biografada estar viva, e dois, o filme ser capitaneado por alguém que tem uma relação pessoal com ela. Nesse documentário eles cometeram esses dois erros e, surpreendentemente, se safaram muito bem.

Griffin Dunne, sobrinho de Joan Didion, dirige de forma muito estóica e seca esse relato sobre a vida da sua tia, escritora, jornalista e um dos maiores exponentes do Novo Jornalismo. Não há exaltação, nem loas. E, lá no fundinho, dá pra perceber uma provocação a sua negação em relação à doença e à morte da filha. Inclusive, apesar de ter um formato bem tradicional, esse evento traumático, descrito no livro O Ano do Pensamento Mágico, é colocado como o fio condutor do documentário e nos faz questionar como essa mistura de objetividade, distanciamento e implicação pessoal presentes na sua obra vira um fardo na vida da escritora. Dá até medo de imaginar como devem ser as reuniões da família Didion/Dunne.

Joan Didion é mostrada como é: uma personagem fascinante que não só é parte como também foi a responsável por construir a nossa compreensão sobre diversas fases e acontecimentos da história americana. Mas, confesso, a aparente frieza de Didion é de assustar. Só pra você ter uma ideia, outro dia no twitter fizeram uma thread com fotos de escritoras fumando e parecendo entediadas. Joan Didion apareceu umas 6 vezes. Deu pra visualizar?

Indicação: Pra ter acesso a uma vida sofrida e fascinante vivida com excesso de nonchalant.

Onde assistir: Netflix.

O Final da Turnê (2015)

Hoje ninguém lê mais nada. Sim, é triste, mas é verdade. A maioria dos escritores, atuais ou antigos, são conhecidos do grande público simplesmente por memes em redes sociais, frases feitas em mensagens de whatsapp ou ted talks nos youtubes da vida. Dito isso, até quem não lê “conhece” David Foster Wallace. Sim, é o cara de bandana do “Isso é água”, o discurso de formatura mais famoso do século XXI.

O Final da Turnê, baseado no livro de David Lipsky, tenta capturar a essência do hypado, mas excelente, escritor recontando o encontro dele com Lipsky para uma matéria para a Rolling Stone sobre, adivinhou, o fim da turnê do seu livro mais famoso, Infinite Jest.

É um filme interessante, mas poderia ser bem melhor, em especial esteticamente. Jason Segel tem uma interpretação excepcional como um David Foster Wallace bastante contraditório, irritante e insuportavelmente fascinante, e  Jesse Eisenberg faz escada para ele como deveria. É um daqueles filmes de falação que eu adoro. Tratam de cultura, literatura, política, sexo e do que nos faz ser humanos. Não é à toa que o livro em que o filme foi baseado se chama, em tradução livre da minha própria pessoa, “No fim das contas você acaba se tornando você”. Difícil discordar desse conceito.

Boa parte da discussão do filme está em volta da necessidade de Lipsky transformar Wallace em um personagem e na infrutífera tentativa de Wallace em não parecer um. Afinal, como ele mesmo coloca, quando ele tenta não ser um personagem ele já se torna o personagem que não quer ser um personagem. Doido, né?

Esse processo de alienação que sofremos dia a dia e Wallace previu nos anos 90 é uma das questões mais importantes que temos atualmente e nos faz pensar na depressão que motivou o suicídio do escritor que serve de gancho para as memórias do jornalista sobre o encontro.

Indicação: Pra quem tem saudades de bater papos instigantes com pessoas inteligentes.

Onde assistir: Google Play e Apple TV.

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