Desculpe sair do assunto da coluna, mas achei importante levantar essa questão.

Tenho certeza que vocês não tem ideia, mas é bem difícil fazer essa coluna. Não trato das novidades, então preciso definir um tema relevante para o momento, definir o tom como ele vai ser tratado, e encontrar nos serviços de streaming os filmes que irão compor o artigo e o conceito. E é aí que a porca torce o rabo. Os filmes que fazem sentido estarem juntos não estão no streaming. Sério.

Por exemplo, essa semana, em homenagem à saída do Trump, comecei desenvolvendo um artigo sobre o Nixon, o tratando como o segundo pior presidente americano. Ia começar com o Nixon do Oliver Stone, uma escolha visualmente interessante, mas careta narrativamente; continuaria com o Frost/Nixon, um belo filme de atores, com uma visão mais intimista; e encerraria com o delicioso Dick, Todas as Garotas do Presidente, uma comédia fantasiosa onde o Garganta Profunda é na verdade uma dupla de adolescentes cabeças de vento. Já estava no meio do texto quando, Pimba!, descobri que só o Frost/Nixon estava disponível no streaming.

Tentei mexer no conceito e tratar de presidentes americanos ficcionais. OK, temos o incrível Mera Coincidência, escrito pelo David Mamet, sobre como se resolvem crises políticas nos bastidores do poder; o hiper patriótico Independence Day, com sua fantasia militarista espacial; e pra servir de cereja nesse bolo o Idiocracia, onde os Estados Unidos é governado pelo genial presidente Camacho, um ex-ator pornô que anda pra cima e pra baixo dando tiros de metralhadora. Nem preciso dizer, só o Independence Day está disponível, e só pra aluguel e compra.

Esse exemplo serve pra mostrar que o Streaming não é isso que se vende por aí. Não temos acesso a um mundo de filmes. Não, mesmo. Nos últimos meses, inclusive, me peguei comprando DVD e VHS para ter acesso a filmes bastante comuns que eu amo e nunca estão nesses serviços.

No fim das contas, não como crítico, mas como usuário, sinto que os serviços de streaming acabam sendo um armário cheio de coisas que você não quer. Um armário cheio de nada.

“Mas agora você tem acesso a todo um mundo de…” Pode parar. Não tem. Você tem acesso a mais coisas que as pessoas querem te mostrar. Você não tem mais acesso às coisas que você quer. Sério. Desculpem o desabafo, mas é sempre a mesma coisa. Vou lá no justwatch pra buscar alguma coisa pra assistir e tudo o que EU quero não está disponível.

Não tem Hal Hartley, Terry Zwigoff, Alan Rudolph, Ken Russel. Tem pouco do Cronenberg e em especial o que eu não quero assistir. Não tem filmes B dos anos 50 e 80. Tem até uns filmes independentes dos anos 90, mas só os mais conhecidos e mais chatos. Filmes marginais dos anos 60 e 70, esquece. Filme Noir dos 30 e cinema alemão dos anos 20? Tá brincando? E não tem Wonder Boys pra quando preciso de iluminação espiritual.

Mas, você vai dizer, tem novelas coreanas, animes atuais, as últimas séries. Por que você não tenta algo diferente? Lamento, tem dias em que eu simplesmente sei o que quero e tudo o que o Streaming me oferece é o que ele, via algoritmo, acha que eu deveria ver.

Aí, frustrado, sou obrigado a decidir pelo que tem aí.

Na época das locadoras, quando o mercado era realmente pulverizado, a coisa era diferente.

Eu era sócio de locadoras da Tijuca ao Leblon. Muitas vezes por conta de um só filme. Na Tijuca eu ia buscar The Records of Loddoss War. Numa locadora na rua Uruguaiana, no 14o. andar de um prédio comercial, tinha uma bela coleção de filmes trash brasileiros, incluindo Fuscão Preto, estrelado pela Xuxa. Na galeria Asteca do Catete, eu encontrava coleções de clipes como uma do Duran Duran com Girls on Film que tinha sido proibido de passar na TV. Cinema de arte e independente era nas locadoras do Estação e numa birosquinha na galeria ao lado do cinema Paissandú. Pra saciar a minha sede de filmes Trash, precisava ir a uma locadora da Barão da Torre. Enfim, tinha tudo, pois a curadoria era descentralizada e guiada pelos gostos dos proprietários.

Ser sócio e frequentar uma locadora era estabelecer uma relação com outros seres humanos que criavam empatia contigo através do acervo que eles escolhiam. Não havia a experiência centrada no usuário que nos reduz a atributos comportamentais a serem ativados para a repetição de hábitos de consumo. Havia comércio e conversa. Isso o streaming nunca vai te dar.

Então, fica uma questão: acham que podemos mudar a estrutura da coluna? Ficariam felizes se eu tratasse de um trio de filmes ligados conceitualmente mesmo que eles não estivessem disponíveis no streaming? Coloquem suas opiniões nos comentários abaixo e veremos o que pode ser feito, pois, pelo andar da carruagem, com o streaming, do jeito que está, não está dando mais pra contar.

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