“Para se ter sucesso, deve-se projetar uma imagem de sucesso o tempo todo”

  Essa simples frase resume por completo o enredo do filme Beleza Americana. Lançado em 1999 e vencedor de cinco estatuetas do Óscar, a produção dirigida por Sam Mendes apresentou críticas e reflexões profundas sobre a sociedade norte-americana.

  Para entender o contexto do filme, primeiro é preciso conhecer o American Way of Life. O termo significa o estilo de vida americano e foi criado pelo governo dos EUA após a 2ª Guerra Mundial.

“Não há nada como o estilo de vida americano”, diz a propaganda.

  Após ter intensa participação para o fim do conflito bélico, a sociedade norte-americana aproveitou-se da situação para se firmar como nação superior. Desse modo, começou a promover seu estilo de vida como padrão de felicidade, de uma forma que as pessoas de outros países desejassem se tornar cidadãos norte-americanos.

  Desde então, os EUA passaram a exportar agressivamente sua cultura e, até os dias atuais, milhares de pessoas, de diversos países, consomem de maneira intensa: roupas, músicas, séries, filmes, livros, gírias e costumes norte-americanos.

   O filme acompanha o cotidiano de Lester, um homem comum com um ótimo emprego de publicitário, uma linda e bem-sucedida esposa e uma filha disciplinada. O que há de errado com Lester? Aparentemente nada. No entanto, sua vida não é tão bela quanto parece.

   Em determinada cena, Lester está em seu trabalho exercendo seu ofício. Bem ao seu lado está escrito: olhe mais perto. Nesse momento, a câmera começa a se aproximar, convidando o espectador a ter um olhar mais apurado da vida do personagem.
   O protagonista vive de forma intensa o estilo de vida americano e o detesta, está farto de seu trabalho onde não é valorizado após se dedicar por 14 anos. Seu casamento é um desastre, pois sua esposa o despreza, assim como a filha. Lester se sente um perdedor por viver em uma sociedade medíocre. Em um momento, em que janta com sua esposa e filha, o espectador tem um vislumbre de uma típica família feliz, porém, a câmera se aproxima e é possível observar como aquelas pessoas são infelizes.
A família de Lester é aparentemente perfeita.

Apesar de estar insatisfeito com sua vida, tudo muda no momento em que Lester conhece Angela, a melhor amiga de sua filha Jane. A jovem desperta em Lester desejos adormecidos. Ele entende que é imoral um homem casado se interessar por uma adolescente. Apesar disso, o protagonista se torna obcecado por Angela, seu único objetivo de vida é ter relações sexuais com a jovem.

 Cada personagem de Beleza Americana traz consigo uma profunda reflexão sobre a sociedade norte-americana, cabe ao espectador decifrar com atenção.

Lester

Kevin Spacey dá vida a Lester.

  O protagonista da história, interpretado por Kevin Spacey, revela ao espectador que a sociedade-norte americana não deve ser seguida como exemplo por ninguém. Lester tem desprezo por seu chefe, sua esposa e alguns vizinhos. Está cansado de ter uma vida de aparência, de seguir um modelo.

  Então, ele passa a viver da maneira que deseja e não como a sociedade quer. Lester deixa de se preocupar com a opinião alheia e passa a dar importância somente à sua “felicidade. Abandona o emprego de publicitário para trabalhar como cozinheiro em uma rede de fast-food.

   A partir deste momento, não deixa que sua esposa o maltrate, passa a usar drogas e a desejar a jovem Angela.

 Apesar de odiar a sociedade norte-americana, Lester passa a viver como ela. Não se importa com ninguém a sua volta, nem mesmo com sua filha, apenas consigo mesmo. Lester se torna um homem egoísta tentando impor suas próprias vontades sobre todos. Ao se dar conta disso, ele revê seu comportamento e entende que passou a ter o estilo de vida que mais odiava, de um típico cidadão norte-americano.

Dessa forma, é possível compreender como o filme critica a política dos EUA. O país sempre se posiciona contra governos ditatoriais, contribuindo para seu fim. No entanto, dita padrões para outras nações assumindo assim o papel de uma ditadura.

Carolyn

   A esposa de Lester, interpretada por Annette Benning, é uma linda e determinada corretora de imóveis. Carolyn enfrenta uma crise no trabalho com muitas dificuldades em vender casas, o que a destrói emocionalmente. No entanto, ela não se deixa abater e não admite ser derrotada. Durante todo o filme, Carolyn se empenha em ter uma aparência “perfeita” em cada área de sua vida. Em certo momento do longa, declara:

“Meu trabalho é vender uma imagem e parte do meu trabalho é viver essa imagem.”

Percebe-se que a personagem assume o papel dos EUA, uma nação que exporta perfeição e que em momento algum se coloca em uma posição inferior. A sociedade norte-americana precisa, a qualquer custo, ser superior em tudo.

Angela e Jane

Mena Suvari e Thora Birch interpretam Angela e Jane.

  As amigas adolescentes, interpretadas por Mena Suvari e Thora Birch, representam as consequências da ditadura da beleza. Ambas, aparentemente, têm realidades diferentes. Enquanto Jane é extremamente insegura em relação à aparência, Angela tem ciência do quanto é linda. Porém, Jane não é de fato feia, ela se sente assim por não se encaixar em um padrão de beleza ditado pela sociedade.

   Apesar de Angela se encaixar nesse padrão, é revelado com o decorrer da história que ela também sofre por não se sentir com uma aparência “perfeita”. A jovem não tem uma boa autoestima, o que lhe causa muita tristeza.

   Ambas representam uma crítica de como a indústria da moda e a ditadura da beleza norte-americana podem ser cruéis e nocivas. Muitas jovens se suicidam ou desenvolvem anorexia por não serem vistas como modelos. Cada vez mais, mulheres estão obcecadas por cirurgias plásticas, dispostas a terem uma aparência “perfeita”. É preciso questionar e rever os padrões de beleza da sociedade norte-americana.

Rick

Wes Bentley dá vida a Rick.

   Interpretado por Wes Bentley, Rick é um personagem complexo e enigmático do filme. Quando ele é apresentado no longa, algo inusitado acontece. A câmera não se aproxima, afasta-se. Isso ocorre, pois o espectador não precisa olhar mais perto para decifrá-lo. O personagem não tenta seguir um padrão imposto pela sociedade.

   Apesar disso, para evitar conflitos no lar, o jovem esconde da família seu trabalho como traficante de drogas. Em casa, Rick é sempre maltratado pelo pai, mas não o odeia por isso, ao contrário tenta entender os motivos que o leva a agir de forma violenta.

  Durante todo o filme, Rick tenta decifrar a beleza da vida. Ele fica fascinado com um saco plástico voando e com um pássaro morto. Tais objetos passariam despercebidos por boa parte das pessoas, mas não para Rick. O rapaz percebe que pequenos elementos do dia a dia retratam a beleza da vida. Rick fica maravilhado com o vento, as folhas, o sorriso de Jane.

  Por essa razão, o personagem está sempre com sua câmera à mão, para poder registar os momentos belos da vida. Ele consegue ver a futilidade de Angela e a despreza por isso, enxergando-a como uma pessoa feia e comum. Rick também observa a simplicidade de Jane, por isso, considera-a uma linda jovem.

Buddy Kane

Peter Gallagher interpreta Buddy Kane.

Apesar de ter pouco destaque, o corretor de imóveis, interpretado por Peter Gallagher, tem um papel fundamental na trama. Em dado momento, ele traz a seguinte reflexão:

“Pode me chamar de louco, mas a minha filosofia é que, para se ter sucesso, deve-se projetar uma imagem de sucesso o tempo todo”

  Essa ideia representa todo o conceito do filme em que boa parte dos personagens tenta esconder suas fraquezas e viver uma falsa imagem de felicidade e prestígio. Assim funciona a sociedade norte –americana, sempre buscando projetar uma aparência perfeita que muitos países tentam copiar.

  Além disso, em outro momento Buddy Kane revela que um de seus hobbies preferidos é disparar uma arma de fogo. Ele declara:

“Nada nos faz sentir mais poderosos do que pegar em uma arma”

   É possível compreender a crítica à indústria bélica norte-americana que financia conflitos sem sentido como a guerra do Vietnã e a do Iraque.
Coronel Frank Fitts
Chris Cooper interpreta o Coronel Fitts.
  O coronel é mais um personagem que segue o conselho de Buddy Kane e tenta manter uma aparência. Interpretado por Chris Cooper, o militar durante boa parte do filme se posiciona como alguém que preza pela ordem e disciplina. Não é carinhoso com sua família, apenas exige que seu filho tenha responsabilidade e decência. O coronel tem total desprezo por homossexuais e simpatiza com ideias nazistas. No entanto, o mesmo sofre por lutar contra seus próprios sentimentos homoafetivos.

Barbara Fitts

Alison Janney interpreta Barbara Fitts.

   A esposa do coronel e mãe de Rick não tem grande destaque no filme, mas é uma personagem importante. Interpretada por Allison Janney, a senhora parece ser apenas mais uma dona de casa dos EUA.

  A personagem que passa a maior parte do tempo sem dizer muitas palavras, apresenta um comportamento estranho, como se sofresse de algum tipo de retardo mental. No entanto, Barbara sabe exatamente o que está acontecendo ao seu redor. Ela entende que vive em uma sociedade repleta de futilidades, que seu marido esconde a homossexualidade, assim como seu filho tenta passar a imagem de um rapaz disciplinado, quando na verdade é um traficante de drogas.

   A família de Barbara tem o mesmo sangue, mas não contam com laços de ternura e amor. Devido a isso, em determinado momento do filme, Barbara pede desculpas a Jane por sua casa estar uma bagunça, quando o local está completamente limpo e arrumado. Percebe-se que a senhora estava se referindo ao estado em que sua família vivia, uma verdadeira bagunça emocional.

As Rosas

   Um elemento essencial de Beleza Americana são as rosas. Estão presentes em boa parte do filme, mas o que elas significam? A espécie de flor retratada no longa é muito comum nos EUA, ela não apresenta odor nem espinhos, mas é uma das mais belas da natureza. Percebe-se então, que as rosas representam o conceito de aparência perfeita vendida pela sociedade norte americana. Bela por fora, mas vazia por dentro. Não tem nada a oferecer além de seu exterior admirável.

   Além disso, é possível entender que as rosas representam a beleza da vida. Na cena em que Carolyn é revelada ao espectador ela está podando as flores, como se a personagem fosse responsável por tirar de Lester toda graça e felicidade. Da mesma forma, na casa do protagonista, as rosas sempre estão cortadas e presas em um jarro, simbolizando que em seu lar a beleza está sendo reprimida.
As rosas sempre estão cortadas e presas na casa de Lester .

Quando Lester conhece Angela, ele a vê deitada em várias rosas. Ou seja, a jovem é a beleza que faltava em sua vida. Mas se o espectador olhar mais de perto, vai perceber que a garota está sempre rodeada de pétalas, não de rosas completas. Pode-se entender que Lester pretende deflorar Angela. Esse é o único objetivo do personagem. Contudo, ao descobrir que a jovem não é promíscua, mas pura e insegura; o protagonista percebe que ela não representa a beleza que tanto procurava, era apenas uma ilusão.

   Assim como Angela, a sociedade norte-americana é tentadora e quase irresistível, Lester se apaixona pela garota da mesma forma que muitas pessoas se apaixonam pelos EUA. Mas, se o ser humano olhar mais de perto, poderá observar o que está por debaixo da aparência: uma fragilidade infantil, cheia de medos e tormentos.

   No ato final, Lester observa uma foto de sua família em um raro momento de felicidade. Por detrás da imagem, está um jarro de rosas, Lester, então, percebe que a verdadeira beleza da vida está no sorriso de sua esposa e na alegria de sua filha, algo que ele havia perdido há muito tempo. Nesse instante, o personagem sorri de forma genuína, pois finalmente descobriu a Beleza Americana.
Beleza Americana / 1999 / EUA / Dreamworks Pictures/ Diretor: Sam Mendes / Elenco: Kevin Spacey, Annette Bening, Thora Birch, Wes Bentley, Mena Suvari, Chris Cooper, Allison Janey e Peter Gallagher.

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